SÁTIRA IMPRESSA

Morador de Tiradentes cria jornal de humor para criticar situações locais

Sem filtros, ‘O Latido’ faz críticas e elogios a elementos que fazem parte da cidade mineira, dos políticos à transformação local

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Quando incomodados, cachorros latem. O ser humano, pela incapacidade ou necessidade de seguir as normas sociais, não ladra. Sendo assim, resta a ele escrever ou reclamar no bar. Para Rogério WS, artista plástico de 68 anos, a cidade de Tiradentes, na Região do Campo das Vertentes, onde mora há 25 anos, tem tantos “absurdos” quanto lugares para beber. Foi com a necessidade de colocar no papel os incômodos evocados na mesa do bar que ele criou o jornal O Latido.

Sem amarras, e, aparentemente, sem medo de processos, o compromisso d’O Latido é com a sátira. O editorial já deixa avisado: “Pode conter fofocas, mentiras e alucinações genéricas.” Na primeira página da terceira edição consta: jornalista irresponsável. No entanto, as situações comentadas no veículo fazem parte da realidade de Tiradentes, analisadas sob o olhar e a opinião de Rogério WS e as pessoas que ajudam a criar O Latido.

Na mira das críticas do jornal está a transformação de Tiradentes em um local genérico. “Eu acompanhei essa trajetória da cidade. Tiradentes foi se transformando numa qualquer, perdendo a identidade de cidade histórica”, conta WS, cujo sotaque carioca carregado torna difícil acreditar que ele mora em Minas há quase três décadas.

Para o artista, um claro exemplo da perda de personalidade da cidade foi a decoração do último Natal, que diz ter sido no estilo Nova York, ou seja, “luz de Natal que tem em tudo ‘quanté’ lugar”, desabafa revelando a influência do ‘minerês’.

No jornal, a mudança na cidade é abordada de forma ainda mais explícita. Em letras garrafais lê-se: “TIRADENTES MORREU” e, embaixo, o laudo com a causa da morte: “A ganância crônica, da doença capitalista, comprometeu os órgãos culturais e históricos, provocando lamentável óbito. A cidade parece não ter mais identidade, tornando-se um shopping com praça de alimentação”.

O artista plástico Rogério WS nasceu no Rio Grande do Sul e foi criado no Rio de Janeiro, mas há 25 anos mora em Tiradentes, cidade que o inspirou a criar o jornal

O artista plástico Rogério WS nasceu no Rio Grande do Sul e foi criado no Rio de Janeiro, mas há 25 anos mora em Tiradentes, cidade que o inspirou a criar o jornal

Rogério WS/Divulgação


Alvos do jornal

Nada nem ninguém escapa do faro do jornal tiradentino, seja instituição, lugar, estátua, comida ou pessoa. Os políticos, como em todo veículo noticioso que se preze, são avaliados por colunistas. A diferença é que O Latido não tem rabo preso com ninguém, abusa dos palavrões e faz trocadilhos que fariam uma turma da 5ª série ir à loucura. Nos anúncios do jornal, os votos da população estão à venda.

Além disso, o veículo critica a ausência de lixeiras na cidade, a qualidade do pão e o barulho causado pelas motos, meio de transporte que já tem histórico de ser alvo de latidos. No entanto, nem só de alfinetadas vive o jornal. Há também receitas gastronômicas, cuja especialidade são os trocadilhos e não o sabor, e homenagens a ícones da cidade, como a cadela Dama e ‘Seu João do Táxi’. Ilustrações também enriquecem O Latido.

Jornal ‘O Latido’ pode conter fofocas, mentiras e alucinações genéricas, de acordo com definição do seu criador
Jornal ‘O Latido’ pode conter fofocas, mentiras e alucinações genéricas, de acordo com definição do seu criador Rogério WS/Divulgação


O cão e o dono

Rogério WS conta que O Latido, considerado por ele um manifesto, surgiu pouco antes da pandemia, mas não se recorda a data exata. Sem periodicidade definida, o jornal teve três edições até então. São impressas 500 cópias, cada uma sendo vendida a R$ 10. Os custos da produção são cobertos com investimento dos patrocinadores, empreendedores em Tiradentes corajosos para apoiar e aparecer n’O Latido.

Daniel Rubens Prado, jornalista e colaborador do veículo tiradentino, conta que as cópias normalmente são comercializadas nos bares de Tiradentes, onde ele diz ser provável que qualquer um esbarre com WS. Já os lançamentos das edições acontecem no bar e restaurante vegetariano e vegano de Daniel, o Cultivo, durante o festival de gastronomia de Tiradentes.

Rogério WS, nascido no Rio Grande do Sul e criado no Rio de Janeiro, cita experiências que teve em trabalhos passados que influenciam no jornal: a Revista Mad, veículo originalmente norte-americano e humorístico, e o Almanaque Biotônico Vitalidade, uma revista que parodiava almanaques medicinais antigos. Sobre o nome ‘O Latido’, ele, que também é escritor, explica que surgiu devido aos inúmeros cachorros na cidade.

Para Daniel, que é amigo do criador do jornal há nove anos, artistas como Rogério WS deixam a cidade de quase 8 mil habitantes “mais descolada”. “Apesar de Tiradentes ser cheia de festivais e uma cidade turística, conhecida até mundialmente, ela ainda é meio careta, ainda mantém um ar meio provinciano”, diz o jornalista. Ele também reforça outra importância de um veículo como aquele: “O humor salva”.

Sobre o público do jornal, Daniel Rubens Prado diz que O Latido é bem recebido por moradores e turistas que visitam a cidade histórica. Ele conta que nas primeiras edições foram feitas ameaças de processo, mas que não foram para frente e não se repetiram com o passar do tempo. “Viam que era zoação mesmo”, diz de maneira descontraída.

*Estagiária sob supervisão Enio Greco

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