É preciso esperar 24 horas para iniciar a busca por desaparecidos? Entenda
Em desaparecimentos recentes em Minas, familiares e amigos foram orientados a esperar 24 horas para dar início às buscas
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Siga noNo último mês, o desaparecimento de mulheres e adolescentes, alguns seguidos de morte, têm ganhado repercussão em Minas Gerais. Pelo menos quatro casos foram registrados no período, a começar pela adolescente Stefany Vitória Teixeira Ferreira, de 13 anos, morta no dia 9 de fevereiro por um pastor e enterrada em uma área de mata entre as cidades de Esmeraldas e Ribeirão das Neves, na Região Metropolitana de Belo Horizonte.
O corpo de Stefany foi encontrado apenas no dia 11 do mês passado e causou grande revolta aos moradores da região onde a menina morava. Segundo a irmã da vítima, Kamila Oliveira, que atua como auxiliar de logística, a família tentou realizar um boletim de ocorrência, mas policiais militares sugeriram que a vítima estivesse “com algum namoradinho” ou "em algum baile”, além de ter ignorado uma pista de que a adolescente poderia estar com o pastor.
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Ainda de acordo com a irmã da vítima, o militar que atendeu a ocorrência no domingo (9/3) disse que era complicado, pois havia pouco tempo que Stefany havia sumido. Conforme o relato, um dos militares que compareceram à casa da vítima levou a irmã de moto até o baile citado e disse para procurá-la. Como não a encontrou, o policial disse que o melhor seria ficar em casa esperando.
Já em 17 de fevereiro, o corpo de uma mulher, de 39 anos, foi encontrado no meio de vegetação na Estrada Chico Mendes, no Bairro Estâncias Imperiais, em Contagem, também na Grande BH, depois de cinco dias de desaparecimento. A família de Polliana Gonçalves da Silva fez um boletim de ocorrência na mesma data do desaparecimento.
Casos mais recentes
No Dia da Mulher (8/3), o corpo de Yara Karolaine, de apenas 10 anos, foi encontrado em Água Boa, na Região Nordeste de Minas Gerais, depois de quatro dias desaparecida. O corpo foi encontrado em um matagal, ao lado de uma ponte, em Cachoeira Pelo de Gato, distrito de São Pedro do Suaçuí, a 55 quilômetros do local do desaparecimento, enrolado em um saco plástico e tinha marcas de violência. Yara tinha sido vista pela última vez entrando em um carro branco, e a mãe deu queixa à polícia.
O caso mais recente, de grande repercussão, é o de Clara Maria Venancio Rodrigues. O corpo da jovem, de 21 anos, foi achado coberto por uma camada de concreto nos fundos de uma casa, nessa quarta-feira (12/3). A jovem foi morta no domingo enquanto voltava para casa. Amigos da jovem tentaram acionar a polícia de imediato, mas ouviram que deveriam aguardar por mais tempo. Eles, então, tentaram coletar evidências por conta própria.
Delegados da Polícia Civil (PCMG) investigam se o corpo de Clara foi vítima de necrofilia. Os policiais destacaram a frieza dos suspeitos ao confessar o crime. O jovem de 27 anos, que foi colega de trabalho de Clara e que devia R$ 400 a ela, deu versões contraditórias para a motivação, segundo os delegados. Primeiro, ele afirmou que queria tirar dinheiro da conta da jovem, mas teria ficado com ciúmes quando a encontrou em uma cervejaria, acompanhada do namorado, dias antes do crime.
O outro suspeito, de 29 anos, é amigo do primeiro e trabalhava em estabelecimentos na mesma avenida da padaria em que Clara trabalhava. Ele foi preso em casa, na Grande BH, e disse que nutria ódio da jovem depois de ter sido repreendido por ela em público por ter feito apologia ao nazismo. Desde então, segundo os delegados, teria dito a amigos que queria ver a jovem morta. A prisão em flagrante dos suspeitos foi convertida para preventiva nesta sexta (14/3).
Busca por desaparecidos
Diante do cenário, observa-se que, nos casos de Stefany e de Clara, amigos e familiares procuraram auxílio das forças de segurança, mas receberam a orientação de que seria necessário aguardar 24 horas para registrar o desaparecimento. No entanto, segundo o investigador da Polícia Civil de Minas Gerais Lucas Guimarães, não existe nenhum dispositivo legal no Brasil que estabeleça que o protocolo de resposta em casos de desaparecimento seja iniciado após 24 horas.
“O que existe é o exato oposto: no caso de Stefany, uma adolescente, a lei nº 11.259, de 30 de dezembro de 2005, estabelece que a investigação de desaparecimento de crianças e adolescentes deve ser ‘realizada imediatamente depois de notificação aos órgãos competentes’. No caso de Maria Clara, já uma jovem adulta, a situação é regida pela lei nº 13.812, de 16 de março de 2019, que instituiu a Política Nacional de Busca de Pessoas Desaparecidas”, diz Guimarães, que também atuou como gerente-adjunto da Política Nacional de Busca de Pessoas Desaparecidas do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP).
O investigador explica ainda que, segundo o artigo 3º da lei nº 13.812, busca e localização de pessoas desaparecidas são consideradas prioridade com caráter de urgência pelo poder público. É obrigatório que haja cooperação operacional por meio de cadastro nacional, incluídos órgãos de segurança pública e outras entidades que venham a intervir nesses casos.
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De acordo com Guimarães, os casos de Stefany e Clara reforçam a importância da conscientização da população sobre os direitos em casos de desaparecimentos de pessoas. “É urgente que a população saiba dos seus direitos, da gravidade a que pode chegar um caso de desaparecimento, de modo a se empenharem em mudar o cenário”, conclui o investigador.