SEGURANÇA PÚBLICA

A falta de mulheres em cargos de comando na Polícia Militar de Minas Gerais

Enquanto elas ocupam o posto máximo na Polícia Civil e no Corpo de Bombeiros, a PM ainda patina na igualdade de gênero

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Atualmente, há mulheres ocupando os cargos máximos de comando na Polícia Civil e no Corpo de Bombeiros. Já na Polícia Militar, a representatividade feminina em postos de chefia ainda é mais desafiadora. A corporação só começou a aceitar mulheres em 1981 e, em 249 anos de existência, nunca teve uma mulher no posto de comandante-geral. As pioneiras contam os desafios que enfrentaram para abrir caminho para as novas gerações e não duvidam que o posto mais alto da Polícia Militar do estado um dia será ocupado por uma mulher.

Duas forças de segurança de Minas Gerais são, atualmente, comandadas por mulheres. Em maio de 2023, Letícia Baptista Gamboge Reis tomou posse no cargo de delegada-geral da Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG). A primeira a ocupar o posto máximo da instituição foi Andrea Cláudia Vacchiano, em novembro de 2015. Já em fevereiro deste ano foi a vez do Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais (CBMMG) ser comandado por uma mulher pela primeira vez, em 113 anos de história. A coronel Jordana de Oliveira Filgueiras Daldegan assumiu o comando-geral, sucedendo o coronel Erlon Dias do Nascimento Botelho.


Na Polícia Militar a situação é um pouco diferente. A explicação pode estar na legislação institucional da corporação, como explica a coronel da reserva Rosângela de Souza Freitas, vice-presidente da Associação dos Oficiais da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais (AOPMBM).


“Nossa legislação estadual previa o efetivo de 10% de mulheres na corporação. Essa previsão legal foi cumprida desde o início da mulher na instituição, há 43 anos. Com a evolução da sociedade, essa limitação vem sendo questionada. Em 2023, houve uma ação questionando o edital de ingresso na corporação, com esse percentual. O STF decidiu que a porcentagem estava indo de encontro à Constituição, que as mulheres deveriam ter direito a uma ampla concorrência”, afirma.


Desde então, o edital foi alterado e hoje esse percentual não existe mais. A coronel ressalta que, apesar do pouco tempo de ampla concorrência, já é possível ver um pequeno aumento de mulheres na corporação.
“Hoje, quando vemos as estatísticas da entrada, em torno de 18% de mulheres procuram o concurso. Aumentou um pouco, talvez por ser uma instituição essencialmente masculina.”


Mas ela acredita que, com o passar do tempo, esse número pode aumentar. “A sociedade evoluiu muito, em todos os sentidos. Na Polícia Militar e no Corpo de Bombeiros, para ingressar nas instituições, é preciso ter curso superior. Para o soldado, em qualquer área e para formação de oficiais, o curso de Direito.”
O Estado de Minas perguntou à Polícia Militar de Minas Gerais qual o efetivo de mulheres, atualmente, na corporação e quantas delas ocupam cargos de comando, mas não obteve resposta.


Pioneiras

A coronel Rosângela de Souza Freitas se formou na terceira turma de mulheres a ingressarem na PM, em 1986.


“Tinha 60 mulheres. Dois anos depois, fiz o curso de formação de oficiais. Me formei como aspirante em 1990. Minha carreira foi feita no interior, em Lavras, no Sul de Minas. Cheguei ao comando do 8° Batalhão da Polícia Militar. Como major, comandei a Polícia Rodoviária e a Polícia Ambiental”, relembra.


Depois, foi transferida para Belo Horizonte, onde exerceu as funções de chefe de gabinete do comandante-geral e diretora de educação escolar e assistência social. “Encerrei minha carreira com 30 anos de efetivo serviço na Polícia Militar”. Hoje é vice-presidente da AOPMBM.


Na mesma turma de 1986 estava a coronel Cláudia Araújo Romualdo, ex-comandante do Policiamento da Capital. Ela foi a primeira e até agora a única mulher a ocupar este posto, entre 2013 e 2014.


“Me formei sargento em dezembro de 1986. Na época, fui designada para trabalhar no Aeroporto de Confins. Em fevereiro do ano seguinte, me reapresentei na academia para começar o curso de formação de oficiais. Me formei aspirante em 1989. Naquela oportunidade, a polícia decidiu classificar as mulheres também em outras unidades operacionais e não só na Companhia de Polícia Feminina. Fui classificada no 5º Batalhão de Polícia Militar”, relembra.


Ela também passou pelo 23º Batalhão, com sede em Divinópolis, na Região Centro-Oeste do estado. Depois de passar por cargos em atividades administrativas, foi para o Batalhão Rotam. Em 2009, concluiu o curso de coronel e foi comandar o 36º Batalhão, em Vespasiano, na Grande BH. Foi a segunda mulher a ocupar o cargo. Em 2011, foi promovida a coronel. “Sou a primeira coronel a servir em um comando operacional”. Em fevereiro de 2013, foi designada para assumir o Comando de Policiamento da Capital (CPC), função que exerceu por dois anos, período de eventos importantes como a Copa das Confederações e a Copa do Mundo, além das manifestações de 2013.


Dificuldades no caminho

Durante a trajetória na instituição, a coronel Rosângela Freitas conta que ela e as colegas enfrentaram inúmeras dificuldades. “Quando a mulher ingressou na instituição, o objetivo era humanizar. A mulher tem mais leveza para atender as pessoas. Uma das principais atividades da polícia feminina era o atendimento das mulheres, ocorrências envolvendo mulheres. Só existiam policiais femininas na capital e as militares fariam esse atendimento exclusivamente para as mulheres”, explica.


A coronel cita que como uma instituição essencialmente masculina, era difícil para a PM entender o papel da mulher. “De entender que também éramos diferentes, que precisávamos de condições diferentes para trabalhar. Dentro do quartel, as unidades tiveram que se adaptar. Não existia banheiro específico para as mulheres, alojamento para troca de roupas. Isso tudo tem que ser adaptado. Em 1981, tinha a Companhia de Polícia Feminina. Era um grupo só de mulheres, comandado por um homem. Não tinham mulheres na condição de comandar”, ressalta.


A coronel Cláudia concorda. “Para nós que fomos as primeiras tínhamos que vencer qualquer tipo de desconfiança, seja por parte da sociedade, seja por parte dos próprios companheiros de corporação, de que não seríamos capazes. Funções que até então eram exercidas por homens. Graças a Deus, nossos comandantes foram abrindo as portas para as mulheres de forma gradativa. As que foram chegando primeiro demonstraram que tinham capacidade. As demais chegam já sem essa mesma desconfiança.”


A coronel Rosângela também destaca que as mulheres avançaram e superaram esses obstáculos. “A própria sociedade nos olhava de forma diferente. Tudo era novidade para quem não estava acostumado com a mulher vestindo farda e sendo uma autoridade, representante do Estado. A evolução veio acontecendo.”
Ela cita a posse da coronel Jordana de Oliveira Filgueiras Daldegan no Corpo de Bombeiros e afirma que, ainda veremos uma mulher no comando geral da PM. A coronel Cláudia Romualdo também concorda. "Em algum momento, no alto comando da Polícia Militar vai ter uma coronel preparada para comandar a instituição. Minha dúvida é zero. Vai chegar, tenho certeza."


A coronel Rosângela pontua que as mulheres não querem ser iguais aos homens, mas trabalhar e ter a oportunidade de exercer a atividade, sem deixar de ser femininas. “Passávamos batom, arrumamos o cabelo. Somos mulheres, exercendo uma profissão militar. Foi o que tentamos, ao longo do tempo, mostrar na instituição. Viemos para somar e não dividir. Tivemos várias dificuldades com comandos que não entendiam o papel da mulher, colegas de trabalho. Ao longo do tempo, isso foi sendo superado.”


Ela afirma que, atualmente, o efetivo de mulheres na PM está em torno de 4 mil, entre soldado e coronel. E algumas ocupam cargos de comando.


“Nós viemos abrindo caminhos para as mulheres. Sempre falo, nós não chegamos aqui sozinhas, chegamos com as outras também. Todas as mulheres vibram, apoiam. Essa sororidade nessas funções existe”. A coronel lembra que, por outro lado, as mulheres têm uma responsabilidade grande. “Uma das primeiras coisas que carregamos conosco é que não podemos errar. Somos modelo, exemplo. Em uma instituição essencialmente masculina, temos que provar que somos capazes de exercer aquela função, tanto quanto os homens. São desafios que ainda existem na corporação, em cargos de poder ocupados por mulheres. Desafios que ainda acontecem na sociedade, em geral.”


Características

Sobre as características femininas que podem ajudar no trabalho da PM, a coronel Rosângela cita a capacidade de leveza e acolhimento. “Somos mais amáveis, menos duras do que é a natureza masculina. Temos uma capacidade de diálogo, de conversar e trazer a solução de problemas e não criar. Isso já vem da mulher, de ser solucionadora de conflitos.”


Já na visão da coronel Cláudia, a mulher traz para a PM a sensibilidade. “Ela é preparada para o trabalho policial, mas terá sempre um olhar mais sensível com as questões porque acho que isso é próprio da mulher. O que não quer dizer que ela não será firme naquilo que terá que fazer. Qualquer mulher que decide ingressar em uma carreira policial sabe o que pode enfrentar pela frente em termos de desafios.”

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Para ela, ao longo do tempo, as mulheres foram sendo experimentadas em funções dentro da instituição. “Até que, hoje, não há nenhuma função dentro da PM que a mulher não possa exercer. Já houve época em que não podia.”


Apesar da evolução na valorização feminina, a coronel Rosângela acredita que ainda há muito para avançar. “A sociedade ainda precisa muito compreender o papel da mulher e respeitá-la.”

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