Fogo antecipado reforça alerta na estreia da estiagem em Minas
RMBH e Minas registram forte alta nos incêndios florestais antes mesmo do período de queimadas, que coincide com o de seca e começa hoje
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Siga noO período da estiagem, que historicamente vai de abril a setembro, começa hoje em Minas Gerais, já com o alerta ligado para o risco de incêndios florestais na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) e em todo o estado. Os sinais de perigo surgiram ainda no primeiro trimestre quando tanto a RMBH quanto Minas registraram fortes elevações dos focos de fogo em relação a igual período do ano passado. Com o perigo à frente, a estratégia do Corpo de Bombeiros é intensificar estratégias de combate, como a instalação de novas bases operacionais para defender, principalmente, áreas de preservação ambiental.
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Em plena estação chuvosa, a RMBH registrou, entre janeiro e março, 293 focos de incêndio em vegetação, número que representa um aumento de 159,2% em relação ao mesmo período do ano passado, quando o total chegou a 113. Com 2024 – ano recorde na série histórica com mais de 29 mil ocorrências – ainda fresco na memória, Minas Gerais iniciou o ano também com aumento. Entre janeiro e março houve 2.080 incêndios em vegetação, o maior número dos últimos quatro anos e um salto de 98% em comparação ao ano passado, quando foram 1.050 registros no mesmo intervalo.
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De acordo com o capitão da corporação Leonan Soares, o aumento das ocorrências de incêndio está relacionado a diversos fatores climáticos e naturais, como temperaturas elevadas, pouca chuva e incidência de raios. Ainda segundo Soares, este último foi a causa comprovada do incêndio na Serra da Moeda, na Região Central de Minas, no fim de fevereiro. “Esses fatores diferem dos demais anos, em que a ocorrência de chuvas causou inclusive grandes inundações no estado”, disse o capitão.
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ÁGUA EM PERIGO
Em grande parte de origem criminosa, os incêndios ao longo do ano podem colocar em risco o abastecimento de água na capital. Um estudo realizado por pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e publicado no periódico “Total Environment Advances, mostrou que os incêndios florestais no Parque Estadual da Serra do Rola-Moça (PESRM), em Nova Lima, na Região Metropolitana de BH, tem levado à perda de florestas de galeria, também chamadas de matas ciliares, que protegem os cursos d’água.
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Segundo o levantamento, o parque perdeu 40% de sua cobertura florestal nos últimos 50 anos, principalmente devido a incêndios. Isso levou a um aumento de 25% no escoamento superficial da água e a uma redução de 18% no volume infiltrado no solo. Esses fatores elevam o risco de colapso hídrico e a ocorrência de inundações em períodos de chuva extrema.
“Chuvas mal distribuídas, crescimento populacional, mudanças climáticas e outros fatores demandam cada vez mais a necessidade de água. Esses fatores atuando simultaneamente podem conduzir, muito em breve, a um futuro no qual a região metropolitana tenha que ter certa disciplina no uso dos recursos hídricos e até mesmo fazer rodízio”, diz Evandro Luís Rodrigues, doutor em Ecologia que conduziu o estudo.
Além disso, a redução da cobertura vegetal resulta em uma perda média de 144 litros de água por segundo, totalizando 12.438 litros por dia. Tal quantidade é capaz de abastecer 113 mil pessoas. Evandro alerta ainda para o impacto econômico, uma vez que a água é necessária na indústria e na produção de alimentos.
“Esses resultados são muito importantes para criar um alerta para nossa sociedade civil e para as autoridades para que possamos ter tempo para reverter esse quadro, não muito otimista. Precisamos implementar estratégias urgentes de mitigação desses incêndios, investir na restauração das mata de galeria e garantir o equilíbrio biológico para evitar o colapso hídrico”, frisa.
Ao Estado de Minas, a Copasa informou que as duas unidades de captação da companhia no Parque do Rola-Moça não foram afetadas pelos recentes incêndios florestais. No local se encontram as unidades Catarina, que atende os bairros Retiro das Pedras e Jardim Canadá, em Nova Lima e a parte alta do Barreiro, em Belo Horizonte, e Ibirité, que abastece a cidade de mesmo nome.
A Companhia informou, ainda, que mantém uma equipe de brigadistas, que atua em conjunto com o Instituto Estadual de Floresta (IEF), para o combate a eventuais focos de incêndio no local.
PERÍODO CRÍTICO
Para evitar estatísticas como as de 2024, o Corpo de Bombeiros planeja intensificar ações já testadas e que deram bom resultado. Entre elas, a implantação de bases operacionais avançadas em Unidades de Conservação (UCs) durante o período crítico. Segundo a corporação, as cinco instaladas no ano passado viabilizaram redução de cerca de 60% da área queimada em pelo menos seis UCs. O destaque ficou para a base na Área de Proteção Ambiental Estadual Cochá e Gibão, no Norte de Minas, recordista de incêndios nos últimos 11 anos, onde, segundo o CBMMG, o percentual foi de 83,5%.
Este ano, uma nova base será criada na Floresta Estadual do Uaimii, em São Bartolomeu, distrito de Ouro Preto. A base visa ao atendimento à região da cidade histórica, ao Santuário do Caraça, em Caeté, à Serra do Gandarela, em Rio Acima, e à Área de Proteção Ambiental Sul da Região Metropolitana de Belo Horizonte (APA Sul RMBH). A APA é cortada por manancias de duas grandes bacias hidrográficas, a do Rio São Francisco e a do Rio Doce, que respondem pelo abastecimento de aproximadamente 70% da população da capital mineira e 50% dos habitantes da região metropolitana.
Além das bases, serão implementados sistemas de gerenciamento de recursos centralizando todas as informações com a Sala de Coordenação Operacional, a fim de otimizar a disposição dos recursos humanos e logísticos de acordo com a necessidade. O sistema fará análises em tempo real apontando dados como os locais de maior risco e direção dos incêndios.
“O foco principal do Corpo de Bombeiros é reduzir emissões de carbono controlando os impactos das áreas queimadas. As mudanças climáticas determinam muito como serão os danos na vegetação durante a ocorrência de incêndios florestais, mas as estratégias adotadas têm surtido efeitos positivos”, diz Soares.
Segundo o governo estadual, apesar do número recorde de focos de incêndios no ano passado, as estatísticas revelaram uma redução de 20,3% de área queimada nas Unidades de Conservação (UC) mineiras em geral e zonas de amortecimento. Em 2025, foram registrados 21 incêndios nas UCs, dentro da média para o primeiro trimestre, que é de 20 ocorrências.
“A gente depende muito de um cenário climático que nem sempre se estabelece por igual em todo o estado. Então, a gente realmente tem lugares que sofrem mais impacto e outros menos. O balanço final foi bastante positivo”, afirma o gerente de Prevenção e Combate a Incêndios Florestais do IEF, Rodrigo Bueno Belo.
Ele explica que a principal causa de incêndios naturais no Brasil são os raios durante o período chuvoso. No entanto, o maioria das ocorrências não tem causas naturais. Elas resultam da ação humana, detonada pelo uso do fogo para limpeza de terrenos, lotes, fogueiras ou até mesmo criminosos.
Provocar incêndio é crime ambiental previsto na Lei nº 9.605, de 1998, com pena de até cinco anos de reclusão. “Incêndios naturais existem, mas é muito raro ter incêndio natural dentro do período crítico. Não existe combustão espontânea. Sempre a população vai ser, de certa forma, o grande protagonista desse cenário. Uma única pessoa é capaz de causar um dano enorme”, reforça o gerente.
PREJUÍZOS
Para além da destruição imediata da flora e da fauna local, posteriormente, os animais que conseguem escapar do fogo podem morrer por falta de alimento disponível ou por ficar mais expostos para os predadores. As queimadas também provocam uma diminuição momentânea da qualidade da água nos mananciais e do ar, devido ao lançamento de gases tóxicos e partículas que prejudicam o sistema respiratório e contribuem para o efeito estufa.
Belo enfatiza que a solução do problema passa diretamente pela conscientização da população em relação aos impactos dos incêndios. “O governo tem que investir em todos os órgãos. Precisamos entender que este é um problema complexo. Na minha opinião, temos que envolver cada vez mais as escolas, a saúde pública e a sociedade. Enquanto isso não acontecer, a gente corre o risco de continuar gastando muito dinheiro e perdendo muitas áreas”, defende.