Mariana: reparação da Samarco cria onda de insatisfação
Câmaras municipais e população cobram das prefeituras que aceitaram valores considerados baixos como indenização depois de rompimento a serem pagos em 20 anos
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Siga noUma onda de insatisfação tem cobrado posicionamento das 26 prefeituras que assinaram o acordo de repactuação do rompimento da Barragem do Fundão, operada pela Samarco, em Mariana, em novembro de 2015. Prefeitos sentem a pressão de vereadores e cidadãos devido a valores baixos em comparação aos recebidos por cidades vizinhas.
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Segundo apurou reportagem do Estado de Minas, a esperança de poder sanar contas atrasadas e salários do funcionalismo – o que não poderá ser feito com recursos do acordo – está entre os motivos da assinatura por várias prefeituras.
Essa onda de insatisfeitos com a adesão ao acordo de R$ 170 bilhões encerrado em 6 de março de 2025 entre as mineradoras, órgãos de Justiça, União, estados de Minas Gerais e Espírito Santo é mais nítida em Barra Longa, Ponte Nova e Santa Cruz do Escalvado, ainda de acordo com o apurado pela reportagem.
Em Barra Longa, os valores aceitos pelo poder municipal chegam a R$ 365 milhões, em 20 anos. Contudo o município é o único que teve o núcleo urbano de sua sede devastado pela onda de lama e rejeitos de minério de ferro que chegaram pelo Rio do Carmo, vinda de Mariana pelo Rio Gualaxo do Norte.
Em 2022, a estimativa de valores para sanar todos os problema e destruição de infraestruturas ultrapassava R$ 1 bilhão, de acordo com a prefeitura da época.
"Sofremos muito por esses quase 10 anos por sermos a única cidade com núcleo urbano impactado pelos rejeitos. Quase não tivemos investimentos necessários, por isso era preciso ter brigado por recursos mais condizentes com as nossas perdas", afirma a vereadora Valéria Aparecida da Silva (PL), eleita sob a plataforma de auxílio aos atingidos.
"O dinheiro da indenização não vai fazer nem cócegas perto do que necessitamos. Muitos de nós pressionamos para que o município negociasse mais. Tenho quase que certeza de que só assinamos porque a prefeitura tem a esperança de poder pagar as dívidas da cidade, muitas devido a gastos e impactos do rompimento. Só que não vai poder, porque a verba já vem carimbada para que tipo de gasto poderá ser utilizada", afirma a parlamentar.
O prefeito de Mariana, Juliano Duarte (PSB) é uma das vozes entre os chefes de Executivo que resistiram ao acordo de repactuação por entender que o valor era muito inferior ao necessário e pelo fato de os municípios atingidos não terem sido parte da formulação do acordo.
"Temos mesmo ouvido rumores de prefeituras que assinaram e já estão insatisfeitas. Por parte das câmaras municipais essa insatisfação é natural como parte da política, mas o ato de assinatura é uma discricionariedade do prefeito", disse Duarte.
Todos os municípios que assinaram o acordo não poderão mais ser parte do processo movido na Inglaterra contra a BHP, que é controladora da Samarco ao lado da Vale. A sentença será proferida em meados de 2025.
A Samarco divulgou na última semana que os municípios mineiros de Caratinga, Pingo D’Água, Rio Doce e Santa Cruz do Escalvado receberam a primeira parcela referente ao Acordo de Reparação da Bacia do Rio Doce. "Agora, as cidades terão disponíveis valores entre R$ 886,3 mil e R$ 5,54 milhões. A segunda parcela prevista para pagamento neste ano será feita no início de junho."
As quatro cidades fazem parte do grupo de 26 municípios que aderiram do acordo pactuado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) dentro do prazo de 120 dias da homologação. "Os demais municípios receberão 30 dias após a adesão, com exceção de Ponte Nova, que recebeu no último dia 6 de março", informa a Samarco.

Lama chegou a Barra Longa por meio da calha do Rio do carmo depois de atravessar Mariana pelo Rio Gualaxo do Norte
Atingidos também reclamam
Entre os atingidos há muitos que ainda não aderiram ao acordo de repactuação para serem indenizados. Dono de um hotel e restaurante em Barra Longa, à beira do Rio do Carmo, Antônio Luiz Gonçalves, de 67 anos, perdeu seu imóvel que era seu negócio e sua moradia. Ele disse que não vai aderir ao acordo.
"Não confio neles. Se estão nos oferecendo, é porque é menos do que nos devem. O que estou vendo aqui é muita gente que não foi impactada pegando R$ 35 mil, só para fazer número e encerrar o assunto. Nós, que perdemos, que fomos atingidos, ainda lutamos contra a injustiça", afirma o empresário.
Quando seu hotel e restaurante precisou ser demolido, a Samarco comprou o terreno. "Peguei o dinheiro e me mudei para Ponte Nova. Estava muito abalado emocionalmente e não tive nenhum apoio. Não aguentei a cidade grande e voltei para Barra Longa. Comprei um sítio e os caminhões da Fundação Renova de tanto passar com lama derrubaram meu chiqueiro, meu galinheiro e outras estruturas. Até hoje não me pagaram", lamenta o homem, que reuniu suas economias e vai reabrir o negócio no centro.
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A vereador Valéria Silva conta que Barra Longa tem até hoje problemas de atingidos não considerados. "O maior erro nosso foi aceitar o acordo de repactuação. O segundo pior foi termos aceito a mesma matriz de atingidos rurais. Com isso, ficaram de fora taxistas, vendedores informais, pessoal da feirinha, da agricultura que vendia nas ruas, oficinas mecânicas com lama até dentro da própria loja", afirma a vereadora.
O rompimento da Barragem do Fundão, em Mariana, ocorreu em 5 de novembro de 2015. A ruptura lançou 40 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério de ferro e lama na Bacia Hidrográfica do Rio Doce, entre Minas Gerais e o mar no Espírito Santo. Dezenove pessoas morreram, e mais de 700 mil foram atingidas.
Dois camihos para indenizações
Duas formas de indenizações coletivas atendem a um volume maior de pessoas e estão em curso desde 2016 no caso do rompimento da Barragem de Marina, sendo que quem participa de uma não pode participar da outra.
Uma delas é o acordo de repactuação que só foi assinado em 25 de outubro de 2024 - a homologação ocorreu em 6 de novembro, no Supremo Tribunal Federal (STF) - após diversas tentativas de órgãos e poderes públicos de retomar o Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC), de 2016, que entre outras ações criou a Fundação Renova.
Foi tentado entre os governos de Minas Gerais, do Espírito Santo e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) até que apenas em 2024, com a entrada do governo federal e do Supremo Tribunal Federal (STF) um acordo foi finalmente assinado com as mineradoras.
Serão destinados R$ 170 bilhões para ações de reparação e indenizações do desastre. É considerado que as mineradoras e a Fundação renova já repassaram R$ 38 bilhões. Um montante de R$ 100 bilhões serão repassados para ações da União, estados de Minas Gerais e Espírito Santo e municípios.
Outros R$ 32 bilhões serão investidos em recuperação de áreas degradadas, remoção de sedimentos, reassentamento de comunidades e pagamento de indenizações a pessoas atingidas.
O outro grande meio de indenização é o processo movido na Inglaterra contra a mineradora de sociedade britânica e australiana BHP, que ao lado da Vale controla a Samarco.
Em 21 de setembro de 2018 o escritório de advocacia inglês, atualmente denominado Pogust Goodhead, anunciou o ingresso com uma ação de R$ 36,7 bilhões (5 bilhões de libras) em cortes do Reino Unido contra a BHP, em nome de 200 mil atingidos, sendo protocolado em 2 de novembro daquele ano.
Em julho de 2020 a jurisdição inglesa negou a apreciação do processo, o que foi confirmado na Corte de Apelação, em março de 2021. Contudo, um dispositivo muito raro foi utilizado pelos representantes dos atingidos e em julho de 2021, o Tribunal de Apelação da Royal Courts of Justice de Londres admite o recurso dos atingidos e reabre o processo internacional.
Em 8 de julho de 2022, o Tribunal de Apelação de Londres decide que todas as questões trazidas pelos atingidos poderão ser julgadas em processo no Reino Unido contra a BHP Billiton.
No dia 21 de outubro de 2024 começa o julgamento do processo em Londres, agora com 620 mil atingidos, 1.500 empresas e 23 prefeituras. Eles pedem R$ 260 bilhões. A sentença será proferida em meados de 2025.
A próxima audiência em Londres está prevista para abril de 2025, quando a Justiça da Inglaterra ouvirá o Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) para entender os motivos de o instituto ter ingressado com a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 1.178 no Supremo Tribunal Federal (STF).
O Ibram questiona a constitucionalidade de um município processar uma empresa em cortes do exterior, a seu ver, afrontando a soberania nacional. O instituto conseguiu uma liminar para que os honorários ao escritório inglês não sejam pagos.