Semana Santa e o retrato de alegria e louvor
Pintura, em Sabará, e escultura, em Mariana, recriam a cena da entrada triunfal de Jesus em Jerusalém. Semana Santa começa hoje, com a bênção dos ramos
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Siga noA Semana Santa começa hoje, com a bênção dos ramos, missas solenes nas igrejas ou espaços abertos e as procissões recriando a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém. Domingo de Ramos é de alegria, de cânticos de louvor, do verde da folha de palmeira e de outras plantas se agitando na mão dos fiéis. Mas tal cenário, a partir de amanhã no tom roxo da Paixão de Cristo, vai se aproximando da condenação e morte na cruz do filho de Deus. Mas depois vem o tríduo pascal, que culmina no Domingo da Ressurreição, dia mais importante do calendário católico.
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Na última reportagem da série “Paixão e fé – Espaços sagrados”, o Estado de Minas mostra duas representações sobre a entrada de Jesus em Jerusalém presentes em templos barrocos mineiros. Na Matriz Nossa Senhora da Conceição, em Sabará, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), uma das primeiras do estado, um quadro centenário recria a cena. Já em Mariana, na Região Central, ganha os olhares o Senhor do Burrinho, que sairá na procissão de hoje. Uma história curiosa, bem típica das Gerais, com voltas e reviravoltas que jamais se perderam no tempo.
Ainda nesta reportagem, o leitor poderá entender o significado de cada dia da Semana Santa. Devido às tradições e costumes locais, com histórias vindas dos tempos coloniais, há diferenças no dia das procissões, bem como inclusão de celebrações que são típicas das cidades. Mas nada interfere no caráter solene da programação, fortalecida pela fé do povo e pela arte que traduz a devoção em cores, movimento, beleza cênica.
SENHOR DO BURRINHO
Recém-restaurada, a Igreja São Francisco de Assis, joia barroca do Centro Histórico de Mariana, tem muitas imagens tricentenárias e peças do acervo também surpreendentes. Entre eles, se encontra o Senhor do Burrinho, escultura do século 18 em tamanho natural que poderá ser vista sobre um burrinho, da década de 1970, na procissão de hoje nas ruas da primeira vila, diocese e cidade de Minas.
“Por volta da década de 1970, Jesus passou a ficar sobre o burrinho. Tempos depois, houve uma polêmica, mas tudo voltou ao que é hoje”, conta o estudante de conservação e restauração, Leonardo Francisco Santos Ribeiro, de 25 anos, também juiz da Venerável Irmandade de Nossa Senhora das Mercês e Redenção dos Cativos e voluntário na Paróquia Nossa Senhora da Assunção. Ouvindo a história pela primeira vez, tudo parece confuso, mas Leonardo logo explica cada detalhe.
Até as primeiras décadas do século 20, o Senhor saía na Procissão do Triunfo, então realizada na tarde do Domingo de Ramos, a partir da Igreja São Francisco de Assis. “Até a segunda metade do século passado, a imagem continuou sentada numa cadeira do andor. Foi quando veio a inovação: sentar a escultura num burrinho. A ideia foi de José Mesquita, primo da minha avó, Raimunda Santos Ribeiro, de 92, até hoje zeladora da imagem de Nosso Senhor dos Passos”, conta Leonardo. A proposta, na época, foi aprovada pelos integrantes da Ordem Terceira de São Francisco, responsável pela igreja.
José Mesquita, conhecido por ser um grande artista e montador de altares, elaborava estruturas para as coroações de Nossa Senhora. “Chegou a restaurar os relicários de São Francisco e os santos de roca, todos em calamitoso estado de conservação”. A primeira vez em que o Senhor do Burrinho saiu às ruas, no andor, na década de 1970, foi um sucesso.
A imagem do século 18, atribuída ao artista colonial Luiz Pinheiro, foi colocada no lombo do animal (feito com madeira recoberta de couro). “Diante da novidade, o povo de Mariana começou a chegar aos montes para ver o novo protagonista da procissão. Houve comoção. Conforme conta minha avó, até nas rezas os fiéis diziam: ‘Nosso Senhor do Burrinho, tenha piedade de nós’”, diz o estudante.
O tempo passou até que um arcebispo de Mariana não quis mais saber da história, e proibiu a saída do Senhor do Burrinho. Ficou um ano na igreja. Mas o povo bateu o pé e ele voltou à procissão do Domingo de Ramos.
Os turistas que chegam à Igreja São Francisco, entregue à comunidade em 28 de setembro após 14 anos fechada, contemplam as maravilhas do Barroco e o berço da espiritualidade franciscana em Mariana, admiram o Senhor do Burrinho perto da entrada, debaixo da torre do relógio. Residentes em Sorocaba (SP), Vitor Elias, administrador, e Carolina Lamberti, advogada, em viagem pelas cidades mineira do Ciclo do Ouro, consideraram a imagem “diferente”, algo que nunca viram nas igrejas.

Na Matriz Nossa Senhora da Conceição, em Sabará, o funcionário da paróquia Márcio da Silva lembra o "momento de Jesus sendo aclamado"
QUADRO EM SABARÁ
A religiosidade do povo mineiro está nas mãos que rezam o terço, nas vozes que entoam cânticos em latim, no olhar brilhante diante das imagens, nas palavras de fé, na esperança de dias melhores. Está impressa nos livros, no interior dos templos, na arte que ilustra os tempos. Na Matriz de Nossa Senhora da Conceição, no Bairro Siderúrgica, em Sabará (RMBH), uma das três primeiras de Minas – as outras, com a mesma devoção, ficam em Raposos (RMBH) e Matias Cardoso, no Norte do estado – há telas, na capela-mor e em outros espaços contando a história sagrada.
Na sacristia, os visitantes podem ver a representação da entrada triunfal de Jesus em Jerusalém, em quadro do século 19 de inspiração renascentista. Fica ao lado da Ressurreição do Messias. Diante da obra, o funcionário da paróquia Márcio Ricardo da Silva lembra do “momento glorioso de Jesus sendo aclamado”, antes de ser julgado, martirizado e crucificado.
Com 323 anos de história e tombada desde 1938 pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), a Matriz Nossa Senhora da Conceição, no Bairro Siderúrgica, é uma maravilha barroca em todos os sentidos. E tempos. E tem outros tesouros bem anteriores ao quadro exposto na sacristia. Durante sua passagem por Sabará, o naturalista francês Auguste de Saint-Hilaire (1779-1853) teceu elogios aos painéis, emoldurados em dourado, presentes no forro e nas laterais da capela onde fica o altar dedicado à padroeira. Saint-Hilaire percorreu parte do Brasil entre 1816 e 1822.
PROGRAMAÇÃO DO DOMINGO DE RAMOS
Belo Horizonte
Missas às 8h e 10h30, com bênção dos ramos, na Catedral Cristo Rei (no Bairro Juliana, na Região Norte). O arcebispo metropolitano de BH, dom Walmor Oliveira de Azevedo, presidirá a missa das 10h30.
- Missas e bênção dos ramos em todas as celebrações: às 7h, 8h30m 10h, 11h30 (com procissão, no adro), 16h, 17h30 e 19h (com procissão, no adro), no Santuário Arquidiocesano São José, na Avenida Afonso Pena, no Centro da capital.
Sabará (Grande BH)
8h – Bênção dos ramos na escadaria da Matriz Nossa Senhora do Rosário, seguida de procissão até a Matriz Nossa Senhora da Conceição. Logo após, haverá missa. À noite (19h), haverá missa nas duas igrejas.
Santa Luzia (Grande BH)
7h – Bênção dos ramos no adro da Capela Nosso Senhor do Bonfim, seguida de procissão com figurados bíblicos (hebreus e apóstolos) e missa no adro do Santuário Arquidiocesano Santa Luzia. À tarde (15h) e à noite (19h30), também haverá missa.
Mariana (Região Central de Minas)
5h30 – Bênção dos ramos e celebração no Espaço Celebrativo Santa Ifigênia, no Alto Rosário
7h – Missa na Catedral Basílica e bênção dos ramos em frente à policlínica do Bairro Cabanas, com procissão até a Matriz Nossa Senhora Aparecida. Às 9h20, tem peregrinação com as crianças da catequese, saindo do Santuário do Carmo para Catedral Basílica, onde haverá missa às 10h.
- À noite (18h), bênção dos ramos na Igreja Nossa Senhora do Rosário e procissão até a praça da Sé, com missa presidida pelo arcebispo dom Airton José dos Santos.
Ouro Preto (Região Central)
8h30 – Bênção e distribuição de ramos na Igreja Nossa Senhora das Mercês e Perdões (Mercês de Baixo), seguida de procissão até o Santuário Matriz Nossa Senhora da Conceição.
Diamantina (Vale do Jequitinhonha)
9h – Bênção dos ramos na frente da Igreja São Francisco, seguindo procissão e missa na catedral. À noite (19h) haverá celebração eucarística na catedral, com bênção dos ramos na porta.
São João del-Rei (Campo das Vertentes)
9h30 – Bênção dos ramos, procissão e missa solene na Igreja Nossa Senhora do Rosário. O cortejo irá até a Igreja Nossa Senhora do Carmo, de onde sairá, às 18h, a Procissão do Senhor do Triunfo.
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MISTÉRIOS DA VIDA
A série de reportagens “Paixão e fé – Espaços sagrados” ‘nasceu’ durante uma entrevista com o padre Sérgio Francisco Alves Filho, reitor do Santuário Arquidiocesano Senhor Bom Jesus do Bonfim, de Bonfim. Falávamos sobre a devolução de castiçais à paróquia, pelo Ministério Público de Minas Gerais, quando ele me falou sobre as capelas do Passos da Paixão, recém-restauradas. Pensei em “espaços sagrados”, me lembrei de outros em Minas, anotei sugestões e assim veio à luz a pauta.
Como nada às vezes é simples coincidência, apenas trabalho, sorte e “momento certo na hora certa”, estava eu no Mosteiro de Macaúbas, em Santa Luzia, no primeiro domingo da quaresma, quando ouvi alguém dizendo que acabara de ocorrer um milagre. Fiquei alerta – e impactado. Era uma história bonita de esperança, de confiança no tratamento para recuperação da visão, conforme está na primeira matéria desta série.
Na hora, me lembrei do meu irmão, Daniel, falecido há 10 anos, vítima de um câncer avassalador. Sabendo do “milagroso” manto da Irmã Germana, que viveu em Macaúbas no século 19, fui com ele ao mosteiro, na companhia do meu amigo e também jornalista José Carlos Santana. Daniel era jovem, alto, atleta, brincalhão, com uma bela família. Estava nos últimos dias de vida.
Depois que Daniel morreu, entendi como se opera um milagre. Não foi a cura do corpo, mas da alma. Penso eu, seu irmão, que ele recuperou a fé depois do sofrimento provocado pela doença. E partiu com toda tranquilidade deste mundo.
Gustavo Werneck