Morte após ataque expõe a violência transfóbica em BH
Agredida na Savassi , mulher trans perde a vida 18 dias depois, devido a complicações dos ferimentos. Óbito se soma é segundo tipo em menos de um mês
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A morte de uma mulher trans, ontem, 18 dias após ter sido agredida por um desconhecido na Savassi, Região Centro-Sul de Belo Horizonte, se soma a de tantas outras que têm o mesmo destino trágico. Levantamento da Rede Trans Brasil, divulgado no Dia Nacional da Visibilidade Trans (29/1), coloca Minas Gerais na posição de segundo estado do país com maior número de homicídios de pessoas trans e travestis. Em 2024, o estado teve 10 registros, ficando atrás apenas de São Paulo, com 17 casos, e seguido pelo Ceará, com 9. Ao todo 105 pessoas trans e travestis foram mortas no Brasil.
Alice Martins Alves, de 33 anos, saiu de um bar no cruzamento da Rua Sergipe com a Avenida Getúlio Vargas, na madrugada de 23 de outubro. Após atravessar a avenida, em frente a outro bar, localizado na esquina das avenidas do Contorno com Getúlio Vargas, a mulher começou a ser agredida por um desconhecido, acompanhado de outros dois homens que, segundo o boletim de ocorrência “riram da agressão física cometida demonstrando deboche e incentivo a violência”.
A agressão foi registrada pela própria vítima em 5 de novembro. Nela, o suspeito foi identificado como um homem alto, branco, de cabelos castanhos escuros ou pretos, trajando calça jeans e blusa preta. Alice relatou que não conhecia o homem, que os atos de violência foram inesperados, sem que ela pudesse reagir ou sequer entender a motivação, o que pode ser classificado como transfobia.
“Tem que tentar pegar esse indivíduo, tem muitas câmeras ali na Savassi. Se tiverem boa vontade, eles (policiais) conseguem identificar essa pessoa”, disse, desolado, o pai de Alice, Edson Alves Pereira. “Quero que seja investigado para que mais ninguém passe por isso. É muita covardia. O Estado é muito omisso, temos que noticiar que um agressor maluco está andando por aí, agredindo o pessoal LGBT nas ruas, para que o pessoal fique atento”, completou.
ATENDIMENTO E COMPLICAÇÕES
Depois de ter sido agredida, Alice perdeu a consciência. Ao registrar o boletim de ocorrência ela disse acreditar que outras pessoas que estavam no local acionaram o resgate, já que ao recobrar a consciência estava sendo colocada em uma maca. Ela foi levada para a UPA Centro-Sul, onde recebeu os primeiros cuidados médicos.
Em 2 de novembro, a jovem foi transportada de ambulância para o Pronto Atendimento da Unimed de Contagem, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, acompanhada do pai. Os médicos constataram vários ferimentos, entre eles cortes no nariz, desvio de septo e fraturas nas costelas. No registro do boletim de ocorrência, a mulher agredida se dispôs a apresentar o laudo médico quando solicitado pela investigação do caso, que foi direcionado à Delegacia Especializada de Investigação de Crimes de Racismo, Xenofobia, LGBTFobia e Intolerâncias Correlatas (Decrin), da Polícia Civil de Minas Gerais.
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Edson conta que, depois da agressão, Alice ficou muito abatida e fraca, além de traumatizada. No sábado (8/11), após o diagnóstico de contaminação do organismo ocasionada por uma perfuração do intestino decorrente de uma das costelas quebradas, a vítima passou por um procedimento de limpeza e uma cirurgia, mas morreu ontem.
O pai recordou que a filha lhe mandou uma foto minutos antes de ser agredida. “Quando estava sendo atendida na UPA ela não quis me ligar porque eu estava fazendo exames de pressão alta. Ela voltou para casa de Uber. Quando acordei, às 3h da manhã, fui no quarto olhar e ela estava com um curativo no nariz, a boca toda machucada. Ela falou: ‘Pai, olha o que fizeram comigo’”, relatou inconformado, minutos após saber da morte da filha.
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“Quero que seja investigado para que mais ninguém passe por isso. É muita covardia. O Estado é muito omisso”
Edson Alves Pereira
Pai da vítima, Alice Martins Alves
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O Estado de Minas procurou a Polícia Civil para saber o andamento da investigação. Em nota, porém, a instituição informou que “considerando o regime de plantão, em vigor nos finais de semana e feriados, no qual investigações em andamento não são atualizadas, por gentileza, acionar o atendimento no próximo dia útil (10/11)”.
“O ESTADO FALHA NO BÁSICO”
Em entrevista ao Estado de Minas, a deputada federal Duda Salabert (PDT), ativista na luta pelos direitos LGBTQIAPN+, se mostrou indignada com a morte de mais uma mulher trans em contexto de violência. “É devastador perder mais uma das nossas. Não existe justificativa. O Brasil segue como o país que mais mata pessoas trans porque o Estado falha no básico. Não há estatísticas sobre os crimes, sobre as investigações feitas e as que não são feitas. Alice foi agredida há quase 20 dias e não existe um suspeito identificado. Eu repito sempre a mesma pergunta: a quem interessa essa omissão?”, questiona.
A parlamentar disse que sua equipe já entrou em contato com a família de Alice. “A violência contra pessoas trans não nasce do nada, nasce da omissão da sociedade. Enquanto não houver investigação séria, proteção e políticas de combate à transfobia, novos crimes vão acontecer e infelizmente ficarão pelo caminho”, ressaltou.
OUTRO CASO
Três dias antes da agressão sofrida por Alice, outra mulher trans foi espancada até a morte, na Rua Padre Pedro Pinto, na Região de Venda Nova, em Belo Horizonte. O espancamento foi gravado por uma câmera de vigilância: as imagens mostram que a vítima, Christina Maciel Oliveira, de 45 anos, foi surpreendida e atacada por trás.
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Segundo o boletim de ocorrência, o agressor, o ex-companheiro de Christina, foi preso em flagrante a poucos metros de distância do local do crime. O suspeito disse à polícia que não concordava com o término da relação e confirmou as agressões depois de ter discutido com vítima. No dia 5, ele foi indiciado pela Polícia Civil.