Levi Salomon anda inquieto. Há mais de 25 anos, acompanha as expressões antissemitas nas manifestações em Berlim. E desde o início do conflito entre o Hamas e Israel, há um mês, "quase não existem tabus", diz ele.
"O 7 de outubro marcou uma virada no discurso de ódio contra os judeus da Alemanha", afirma à AFP este moscovita que se mudou para Berlim em 1991, durante a reunificação do país, para escapar, como ele disse, ao "antissemitismo de Estado" reinante então na Rússia.
Neste dia, o movimento islamita palestino Hamas, que governa a Faixa de Gaza, executou um ataque sangrento em Israel que matou 1.400 pessoas, a maioria civis. Entre os mortos há mais de 300 militares.
Pouco depois desta ofensiva, lembra, "houve gente que distribuiu doces para expressar sua alegria pelos assassinatos" no bairro de Neukölln, que tem uma importante população de origem árabe e turca.
"Nunca havia visto algo semelhante", disse.
Também garante ter observado um aumento nos chamados para destruir Israel, sob o lema "do rio ao mar, Palestina será livre".
Levi Salomon, de 65 anos, começou em 1997 a registrar as expressões de antissemitismo em Berlim, e em 2008 criou o Fórum Judeu para a Democracia e contra o Antissemitismo.
Crianças "doutrinadas"
Berlim tem a maior diáspora palestina urbana da Europa. Em algumas manifestações pró-palestinas houve barricadas, policiais feridos por pedradas, e dezenas de participantes detidos.
A novidade é o grande número de menores de idade nas manifestações, assegura.
Levi Salomon recorda uma frase que crianças lhe disseram em 2004 em uma pesquisa sobre o antissemitismo islamita. "Faca enfiada, faca puxada, faca vermelha, judeu morto", lembra. "Hoje, essas crianças se tornaram adultos". E as crianças "continuam a ser doutrinadas", diz ele.
Levi Salomon disse que lhe parece obviamente legítimo manifestar-se pela situação dramática dos palestinos de Gaza, onde, segundo o Hamas, morreram mais de 10.000 pessoas nos bombardeios israelenses.
"Tinha esperança de ver em algum lugar um cartaz ou sinal de condenação ao Hamas", disse. Porém, "se limitaram a criticar Israel".
A volta do medo
O ressurgimento de atos antissemitas no último mês é uma realidade em toda a Europa, e a Comissão denunciou que "os judeus da Europa vivem de novo com medo".
Na Alemanha, com a lembrança do nazismo e o Holocausto, a situação preocupa ainda mais, e o governo fez um apelo para combater o antissemitismo no país, incluindo tanto o que vem da extrema esquerda como de alguns muçulmanos.
Durante muito tempo, o país europeu considerou exemplar seu trabalho de memória e expiação de seu passado genocida, o que o conduziu a um certo relaxamento, considerou nesta terça-feira Felix Klein, comissário do governo responsável pela luta contra o antissemitismo.
"Grande parte da população acreditava estar imunizada contra o antissemitismo", disse.
A Polícia Federal alemã informou ter registrado quase 2.000 crimes relacionados à guerra entre Israel e Hamas. Na vizinha França, os atos antissemitas superaram os mil casos, segundo autoridades.
O diretor do serviço de inteligência interno da Alemanha, Thomas Haldenwang, alertou recentemente sobre o retorno das "horas mais sombrias da história" do país.
Neste contexto, a recordação na quinta-feira do 85º aniversário da Kristallnacht, um massacre contra os judeus do Terceiro Reich, assume um aspecto especial.
O presidente alemão Frank-Walter Steinmeier e o chanceler Olaf Scholz discursarão durante a cerimônia.