George Legmann, sobrevivente do Holocausto
       -  (crédito:  Zanone Fraissat/Folhapress)

George Legmann, sobrevivente do Holocausto

crédito: Zanone Fraissat/Folhapress

Após uma conversa, George Legmann anota em uma folha de papel sua idade, 79, sua data de nascimento, 8 de dezembro de 1944, e, voluntariamente, seu número de registro em Dachau, o primeiro campo de concentração nazista, no sul alemão: KZ86878.

É parte da identidade do sobrevivente do Holocausto que chegou com a mãe ao Brasil em 1961. Legmann, de ascendência romena, nasceu no campo de concentração para o qual foi levado com a mãe e a avó materna. O avô e um de seus tios morreram nas câmaras de gás.

Legmann conhece os detalhes de um dos mais graves episódios da história por meio dos relatos da família. Mas também tomou para si a tarefa de homenagear as vítimas por meio da memória. E, diante da guerra Israel-Hamas, afirma que isso é mais importante do que nunca.

 


"O que o Hamas tentou fazer é um Holocausto moderno", diz ele quando questionado sobre a comparação entre o período histórico dos anos 1930 e 1940 e os ataques terroristas do Hamas em comunidades do sul de Israel, em 7 de outubro, que deixaram cerca de 1400 mortos.

Legmann estava nos corredores do Memorial do Holocausto, no Bom Retiro, em São Paulo, na noite desta quinta-feira (9), quando o espaço organizou um evento no marco dos 85 anos da Noite dos Cristais, um dos maiores marcos da perseguição aos judeus na Europa.

"É inacreditável o que ocorreu em 7 de outubro depois de duas guerras mundiais, do Khmer Vermelho no Camboja, de Darfur, no Sudão, e do genocídio indígena no Brasil", diz ele, que é assessor do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso há mais de duas décadas.

"A humanidade não aprendeu nada."

A comparação entre o extermínio promovido pelos nazistas no século passado e os recentes ataques da facção terrorista permeou o evento.

"O que vemos no Hamas é a mesma coisa do Holocausto, com uma diferença principal: nazistas queriam esconder as atrocidades que faziam, o Hamas, não; está celebrando isso publicamente, brindando seus sequestros e queimas de bebês", afirma o cônsul-geral de Israel no Brasil, Rafael Erdreich.

"Parece que não aprendemos nada", diz o diplomata, há pouco mais de dois anos no Brasil, que teve a família da mãe assassinada em campos nazistas e o pai como sobrevivente do Holocausto. "O que ocorreu há 85 anos está acontecendo de novo. Há no mundo atrocidades que nem podemos imaginar, nós falhamos em educar as novas gerações."

Como Legmann, o cônsul-geral também menciona Darfur, região sudanesa palco de um conflito civil ininterrupto desde 2003 que já deixou mais de 300 mil civis mortos, em um dos piores conflitos registrados na África. Há acusações de que o crime de genocídio foi cometido na região pelo regime do ditador deposto Omar al-Bashir.

Para o escritor e cineasta Marcio Pitliuk, curador do Memorial do Holocausto que há mais de dez anos estuda o tema, os ataques do Hamas foram piores que o Holocausto.

"Nazistas assassinaram suas vítimas de preferência sem vê-las, ao colocá-las em uma câmara de gás para não ver suas expressões faciais. Os terroristas do Hamas assassinaram a sangue frio crianças, bebês e mulheres", diz ele à reportagem. "O Hamas agiu pior que os nazistas."

 Ponto fora da curva, Sarita Mucinic Sarue, coordenadora educacional do memorial, pede cautela. "O que o Hamas fez é um ataque terrorista de uma mentalidade que nós ainda não conseguimos entender. Mas comparar o incomparável é uma tentativa fracassada", afirma ela.

Sarue argumenta que o Holocausto foi um período histórico específico, "com uma didática construída por [Adolf] Hitler por anos". "No caso de 7 de outubro, podemos dizer que foi um genocídio praticado por um grupo terrorista, que agora Israel enfrenta o grande desafio de eliminar."

"Mas comparar banaliza o termo, transforma-o num slogan para ser usado por todos que queiram pegar carona em um momento histórico para deixar suas frases mais atraentes."

A Noite dos Cristais, marco do evento ocorrido na noite de quinta-feira, ocorreu em 1938, quando sinagogas e lojas pertencentes à comunidade judaica foram incendiadas e vandalizadas pelos nazistas.

Fruto do episódio, em 9 de novembro se celebra o Dia Internacional contra o Fascismo e o Antissemitismo. Neste ano, com gosto ainda mais amargo: as denúncias de antissemitismo no Brasil aumentaram dez vezes desde início da guerra, assim como em outras partes do mundo.