Um apoiador do presidente eleito da Argentina, Javier Milei, exibe um cartaz com uma nota de cem dólares com a imagem do futuro presidente enquanto espera do lado de fora do Congresso antes de sua cerimônia de posse, em Buenos Aires, em 10 de dezembro de 2023. -  (crédito: Luis ROBAYO / AFP)

Um apoiador do presidente eleito da Argentina, Javier Milei, exibe um cartaz com uma nota de cem dólares com a imagem do futuro presidente enquanto espera do lado de fora do Congresso antes de sua cerimônia de posse, em Buenos Aires, em 10 de dezembro de 2023.

crédito: Luis ROBAYO / AFP

A Argentina inicia, neste domingo (10/12), uma era de incerteza, com a ascensão ao governo de um ultralibertário que chegou à Casa Rosada com as promessas de romper com a "casta política", dolarizar a economia e extinguir o Banco Central. Para se sustentar no poder, Javier Milei, 53 anos, precisará tomar medidas eficazes de combate à hiperinflação de 140%, com um índice de pobreza que atinge 40% dos 46,6 milhões de argentinos. Mas, também, abandonar propostas mais polêmicas e buscar o apoio do Congresso, onde terá a minoria nas duas Casas: seu partido A Liberdade Avança fez apenas sete dos 72 senadores e 39 dos 257 deputados.


A cerimônia de posse de Milei contará com as presenças do ex-mandatário brasileiro Jair Bolsonaro; do premiê da Hungria, Viktor Orbán; e dos presidentes Luis Lacalle Pou (Uruguai), Gabriel Boric (Chile), Daniel Noboa (Equador), Santiago Peña (Paraguai) e Volodymyr Zelensky (Ucrânia). Também confirmaram a ida a Buenos Aires o rei Felipe VI da Espanha e o líder do partido de ultradireita espanhol VOX, Santiago Abascal. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva declinou o convite da futura chanceler, Diana Mondino, e enviará o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira.

Milei decidiu enviar um sinal na contramão da casta política: durante a cerimônia, ele trocará um longo discurso aos congressistas por uma breve mensagem, e fará um pronunciamento à nação do alto da escadaria da sede do Legislativo. Amigo de Milei há quatro anos, o deputado Agustín Romo aposta que o colega de partido é a mudança que a Argentina necessita. "Não será fácil, e o povo sabe disso. Os argentinos entendem o momento que o país atravessa e, por isso, votaram em Milei: para que ele faça o que tem que fazer. O mais difícil será desarmar o aparato criado pela casta política no Estado para encher-se de privilégios às custas dos impostos pagos pela população", afirmou ao Correio, por meio da rede social X, o antigo Twitter.


Romo contou que conheceu Milei em um programa de televisão, em 2015, e, pessoalmente, quatro anos depois. "É uma pessoa honesta, inteligente e passional. Toma as decisões que precisa tomar, quando as tem que tomar. Ele entende perfeitamente a responsabilidade que o povo lhe deu. Confio plenamente nele. É um grande amigo e uma grande pessoa", disse o congressista. Segundo Romo, muitas das reformas que Milei fará não dependem do Congresso. "Além disso, a maior parte das lideranças políticas compreende a necessidade de mudar, e Milei comandará essa mudança. A Argentina voltará a ser uma potência mundial."

Professor de ciência política da Universidad de Buenos Aires (UBA), Miguel De Luca explicou ao Correio que Milei terá um dilema. "Se ele amenizar sua retórica radicalizada e buscar o diálogo, perderá os seguidores mais fiéis, justamente os eleitores que o apoiaram contra a 'casta', contra os políticos tradicionais. Se seguir com propostas de governo mais radicalizadas, dificilmente terá apoio para suas iniciativas no Congresso", observou. "O principal desafio do novo presidente é reduzir a inflação. O aumento de preços vem sendo um problema cada vez mais importante ao longo do ano. Nos últimos meses, converteu-se na principal preocupação dos argentinos."

Retórica

Para Sonia Ramella, especialista em participação cidadã e cientista política da Universidad del Salvador, a chegada de Milei ao poder traz expectativa e preocupação. "Ele suavizou muito a retórica. Quando vemos as nomeações ministeriais, fica claro que Milei não tinha equipe para ocupar todos os postos. Ele está dando cargos ao peronismo e a políticos da aliança Juntos por el Cambio. Por isso, fica claro que precisava reduzir a retórica para governar. A estratégia de repartir a carteira de governo às distintas forças políticas está vinculada a isso", comentou à reportagem.

De acordo com De Luca, Milei mostrou certa desorganização ou improviso na escolha dos ministros, com uma sucessão de nomes propostos e, depois, descartados. "O conjunto de nomes anunciados não implica um acordo entre o presidente e partidos: os funcionários designados pertencentes a outras legendas (como Patricia Bullrich ou Luis Petri) esclareceram que tomariam posse a título pessoal, e não em troca de apoio parlamentar às propostas da lei de Milei", explicou o professor da UBA, para quem não existirá um governo de coalizão. De Luca pontua que o novo ministro da Economia, Luis Caputo, tem experiência em finanças e em negociação com bancos, mas não é um técnico especializado em temas como inflação ou finanças públicas, o que coloca em dúvida a existência de um plano de combate à inflação.

Alguns analistas argentinos advertem que Milei terá uma "lua de mel de 100 horas" com os argentinos, ante a precária situação econômica do país. "Ele terá que resolver essa crise em pouco tempo e manter o domínio sobre as ruas, o controle social. Não será uma tarefa simples. Alguns setores estão ligados a organizações que prometem resistir a alguns tipos de medida. Por outro lado, Milei terá que manter a governabilidade", concluiu Ramella.

O passo a passo da posse
Como será a solenidade de transferência de poder para Milei:

11h (hora de Brasília) — Javier Milei chegará ao Congresso.

11h30 — A vice-presidente e senadora Cristina Fernández de Kirchner tomará juramento à futura vice, Victoria Villarruel. Por sua vez, Villarruel tomará o juramento de Javier Mileicomo novo presidente da Argentina. O Escrivão Maior do Governo lerá a ata da posse e comandará a transmissão de símbolos do poder. Alberto Fernández entregará ao sucessor a faixa e o bastão presidencial. Milei lerá uma breve mensagem ao Congresso.

12h — Agora presidente da Argentina, Javier Milei quebrará o protocolo e fará um pronunciamento à nação a partir da escadaria do Congresso.

12h30 — Milei sairá, em cortejo, até a Casa Rosada, a bordo de um Cadillac Série 62 Coupé conversível.

13h — Missa ecumênia na Catedral de Buenos Aires.

13h30 — O novo presidente receberá os cumprimentos de chefes de Estado e de governo e de delegações dos países.

17h — Milei empossará o gabinete ministerial no Salão Branco da Casa Rosada. Uma hora depois, será servido um coquetel aos visitantes.


"O gabinete formado por Milei não exibe um alto nível de experiência para os problemas da Argentina neste momento. Ao mesmo tempo, Milei não utilizou a nomeação do gabinete para forjar um acordo com outros partidos no Congresso. Isso quer dizer que ele não escolheu nenhuma das duas vias de ação mais comuns para presidentes que buscam promover uma agenda com êxito. Resta saber quanto sucesso ele terá nos primeiros meses com este gabinete."

Miguel De Luca, professor de ciência política da Universidad de Buenos Aires (UBA)