"Os ventos da mudança chegaram!" foi o comentário do primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, ao observar os recentes resultados das eleições na Holanda. Já o ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump declarou que Javier Milei "fará a Argentina grande outra vez".
As vitórias eleitorais de Milei, o outsider de direta radical da Argentina, e do político anti-islâmico Geert Wilders, na Holanda, lançaram um sinal de alerta.
Ambos são considerados "populistas" e seu sucesso está sendo comemorado por políticos com pensamentos similares. Mas o que isso significa?
O que significa o populismo?
Em Ciências Políticas, o populismo é a ideia de que a sociedade é dividida em dois grupos em conflito: "as pessoas puras" e "a elite corrupta", segundo o cientista político Cas Mudde, autor do livro Populism: A Very Short Introduction ("Populismo: uma introdução muito breve", em tradução livre). Segundo ele, o populismo defende que a política deve ser a expressão da vontade geral das pessoas.
O professor de política Benjamin Moffitt, da Universidade Católica da Austrália, é o autor do livro Populism: Key Concepts in Political Theory ("Populismo: os principais conceitos da teoria política", em tradução livre).
Para ele, este fenômeno pode se manifestar como uma ideologia, um modo de organização, um estilo de apresentação, um discurso ou na forma em que as pessoas falam, mas "todos esses debates diferentes caminham em torno da divisão entre as pessoas e a elite".
Segundo Moffitt, "o populista irá falar em nome das pessoas e identificar a elite como o problema essencial da sociedade".
O populismo costuma ser associado à direita radical, mas existe também o populismo de esquerda. Seu melhor exemplo, provavelmente, é o ex-líder venezuelano Hugo Chávez (1954-2013). Certa vez, ele afirmou: "não sou um indivíduo – sou o povo".
Mudde descreve o populismo como uma "ideologia de alcance limitado" – ele aborda apenas parte da agenda política e não opina sobre qual seria o melhor sistema político ou econômico.
"Os populistas mais bem sucedidos combinam o populismo com outra ideologia, a chamada ideologia 'hospedeira', que aborda essas questões fundamentais", afirma ele. "De forma geral, a maior parte dos populistas de direita combina o populismo com alguma forma de nativismo e a maioria dos populistas de esquerda combina o populismo com alguma forma de socialismo."
Quais são as características de um líder populista?
No seu livro What is Populism? ("O que é o populismo?", em tradução livre), o professor de política Jan-Werner Müller, da Universidade de Princeton, nos Estados Unidos, destaca que os líderes populistas afirmam representar a "vontade unificada do povo".
Para ele, "o que faz os populistas se destacarem é sua alegação de que são os únicos representantes do 'povo real' ou da 'maioria silenciosa'. Por isso, eles denunciam que todos os outros concorrentes pelo poder são fundamentalmente ilegítimos. Eles insistem que os outros são simplesmente 'corruptos' e 'desonestos'."
Neste particular, o ex-presidente americano Donald Trump é considerado um dos exemplos contemporâneos mais claros do populismo.
Pode-se observar na retórica de Trump como o populista se coloca em oposição a um inimigo (frequentemente representado pelo sistema atual) e pretende "drenar o pântano" ou enfrentar a "elite liberal".
Os populistas também costumam se apresentar como "homens fortes", combinando uma posição autoritária, geralmente anti-imigração, e fazendo promessas impraticáveis que os políticos mais tradicionais costumam evitar.
Eles podem preferir referendos diretos, decretos presidenciais ou ordens do Executivo como ferramentas para "que as coisas sejam feitas", em vez de depender de métodos democráticos mais complicados, que envolveriam o Legislativo ou o Judiciário.
Benjamin Moffitt observa ainda outras características associadas aos líderes populistas típicos. Entre elas, estão os "maus modos" – comportar-se de uma forma que não é típica dos políticos.
Esta tática é empregada por Trump e, mais recentemente, pelo presidente eleito da Argentina, Javier Milei. Ele ficou conhecido por levar uma motosserra a um comício, para ilustrar sua promessa de cortes orçamentários.
A outra, segundo ele, é "perpetuar o estado de crise", sempre se retratando na ofensiva. "Existe sempre alguma fatalidade iminente sendo esperada e só eles sabem como resolver", explica Moffitt.
Quem são os principais exemplos de líderes populistas?
O ex-presidente da Argentina Juan Domingo Perón (1895-1974) costuma ser citado como o arquétipo do populismo.
Ele morreu há quase 50 anos, mas seu nome define a política do seu país até hoje – e é a principal divisão da sociedade argentina: "Você é peronista ou antiperonista?"
Outro homem frequentemente descrito como populista – Javier Milei – foi eleitor presidente da Argentina neste ano.
Com seus cabelos despenteados, forte entusiasmo e maneirismos excêntricos, ele ganhou o apelido de "El Loco".
Milei prometeu mudanças drásticas, que incluem eliminar a moeda local, o peso, em favor do dólar americano, "explodir" o banco central e cortar departamentos governamentais inteiros.
"A América Latina é um farol do movimento populista", afirma o analista político Imdat Oner, do Centro Europeu de Estudos sobre o Populismo. "O populista de esquerda Hugo Chávez foi um grande exemplo. Ele chegou à política como outsider, mudou o sistema bipartidarista da Venezuela e permaneceu no poder até morrer."
Mas o populismo é um fenômeno global, segundo Moffitt. Ele cita Trump como "um exemplo fantástico de populista de direita".
Moffitt acrescenta que, "provavelmente, o populista mais bem sucedido do mundo no momento – pelo menos, eleitoralmente e em termos de consolidação do poder – é o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi".
"Toda a política indiana gira em torno de Modi. Ele conseguiu construir uma divisão entre as pessoas e a elite que atingiu conotações religiosas entre os hindus como as 'pessoas reais', de forma que existe um sentimento nativista acontecendo ali."
O presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, também é frequentemente indicado como político populista.
"Ele se apresentava como um azarão corajoso; ele seria para sempre o lutador de rua do implacável bairro de Kas?mpa?a na capital turca, Istambul, enfrentando bravamente as velhas instituições kemalistas da república turca", escreve Jan-Werner Müller no seu livro The Rise and Rise of Populism ("Ascensão e ascensão do populismo", em tradução livre).
Geert Wilders na Holanda, Viktor Orbán na Hungria, Marine Le Pen na França, Nicolás Maduro na Venezuela e Boris Johnson no Reino Unido também são frequentemente mencionados como populistas.
Mas Cas Mudde não considera Jair Bolsonaro populista porque o ex-presidente brasileiro rejeitou apenas a esquerda no sistema político e não a direita, segundo sua avaliação.
O populismo é uma ameaça à democracia?
Mudde destaca que, no sentido mais restrito (soberania popular e governo da maioria), o populismo é democrático, pois ele quer que a política reflita "a vontade das pessoas".
"Mas ele confronta fundamentalmente a principal ideia da democracia liberal: o pluralismo, a noção de que a sociedade consiste de um grupo diverso de pessoas, com interesses e valores diferentes, todos eles legítimos", explica ele.
Müller defende que, se os populistas tiverem poder suficiente, eles acabarão criando um Estado autoritário que irá excluir todos aqueles que não sejam considerados parte das pessoas "adequadas".
Esse ataque aos demais é parte das razões que fazem o populismo soar um sinal de alerta pelo mundo, segundo Benjamin Moffitt – especialmente nos tempos atuais, que muitos chamam de "tempo das policrises".
"Crise ambiental, bolhas financeiras em crescimento... Ser capaz de aparecer e falar em soluções simples, conseguir definir um inimigo em uma época de imensas crises, é importante", afirma ele.
"Os populistas tendem a ver os juízes e a imprensa, instituições independentes como estas, como barreiras para a voz do povo. Neste particular, é uma ameaça à democracia, mas caricaturizar o populismo como a única ameaça não é produtivo", acrescenta Moffitt. "Existe uma razão por que ele atrai as pessoas."
"É difícil negar que o populismo, agora, faz parte da política convencional. Ele não irá desaparecer. Pessoalmente, acho que é o fenômeno político que define o século 21."