O governo de Javier Milei anunciou um duro pacote de medidas econômicas para conter a crise e a inflação na Argentina. O novo presidente decidiu desvalorizar o peso, suspender todas as obras públicas, cortar subsídios de energia e transporte e reduzir repasses às províncias. Por outro lado, pretende aumentar programas sociais.
As medidas foram anunciadas numa mensagem gravada, na noite de ontem, pelo ministro da Economia, Luis Caputo. O vídeo foi exibido depois de duas horas de atraso, porque o ministro teve que regravá-lo, segundo a imprensa argentina.
O anúncio era muito aguardado pelo mercado e pela população desde segunda-feira. Sem saber quais seriam as primeiras medidas de Milei e, portanto, o que aconteceria com o dólar depois de sua posse, muitos argentinos aceleraram a estocagem de produtos duráveis nas últimas semanas, como é comum no país em épocas de incertezas.
Os preços em geral subiram 143% em 12 meses até outubro, mas espera-se um aumento ainda mais expressivo para novembro e dezembro, uma vez que, sem referência, as mercadorias e os serviços estão com valores muito voláteis e sendo constantemente remarcados nas ruas.
Acordos para limitar os preços feitos pelo ex-ministro Sergio Massa com empresários, que teoricamente durariam até o fim do mês, já não existem na prática. Bancos também adiaram ou aumentaram a cotação do dólar cobrada dos argentinos nas faturas dos cartões de crédito, já prevendo uma desvalorização pela nova gestão.
CORTES EM PROPAGANDA E CARGOS
Mais cedo, o porta-voz do governo, Manuel Adorni, havia anunciado outros cortes: a propaganda oficial em meios de comunicação será suspensa por um ano, e os cargos públicos federais se reduzirão em 34%.
Então candidato, Milei se referiu a veículos de mídia públicos, os quais quer privatizar, como "ministério da propaganda encoberto".
Seu porta-voz afirmou ainda que a redução de cargos federais será de 34%, mas não soube dizer com precisão quanto será economizado, já que os contratos e nomeações acabam de começar a ser revisados. A conta se refere ao corte de 18 para 9 ministérios, de 106 para 54 secretarias e de 182 para 140 subsecretarias.
"O objetivo é fazer o impossível no curtíssimo prazo para evitar a catástrofe", declarou Adorni, dizendo que os funcionários que não queiram fornecer informações sofrerão as "sanções correspondentes", sem detalhar quais. A intenção é também verificar eventuais "contratações irregulares" feitas no último ano pela gestão de Alberto Fernández.
Ele também comunicou o fim do home office para o funcionalismo e o início de uma revisão de todos os contratos do Estado. Adorni falou em acabar com o "emprego militante" e tratar protestos com o mantra "dentro da lei tudo, fora da lei nada", gerando a reação de sindicatos, que já marcaram um grande ato para os dias 19 e 20.
Na segunda-feira, o porta-voz já havia informado que o governo começará a exigir 100% de presença desses empregados no escritório e que "o emprego militante acabará", expressão pela qual foi questionado. "É o emprego que todos sabemos que nasce por questões políticas, de caixa e de campanha. [...] É preciso acabar com essa lógica de ver como normal coisas que não são", respondeu.
Ele também repetiu a frase "dentro da lei tudo, fora da lei nada" ao ser indagado sobre como serão tratadas manifestações maciças contra os cortes, já agendadas para os dias 19 e 20 por sindicatos e "piqueteiros" um? conjunto de organizações de esquerda que usa o fechamento de ruas como forma de protesto desde a década de 1990.
"A liberdade de expressão não se negocia. A liberdade de expressão está garantida dentro da República Argentina", disse Adorni. Sobre os programas sociais, afirmou que "ninguém vai deixar de ajudar quem precisa". "Isso não vai ocorrer nesta etapa na Argentina porque entendemos a gravidade da situação."
HISTÓRICO DE CRISES
A Argentina passa por sua terceira grande crise econômica em 40 anos de democracia, completados no último domingo. A situação é causada por um déficit (gastos maiores que receitas) que já dura 13 anos, uma dívida pública que representa 88% do PIB, falta de dólares nos cofres públicos e impressão de moeda que fazem a inflação explodir. O país vizinho foi o que mais tentou planos de estabilização malsucedidos na região nos últimos 50 anos – o Brasil vem segundo lugar. Foram sete fracassos (entre 1976 e 2018), quatro sucessos temporários que duraram um ano e meio, e um sucesso mais longo, em 1991, mas que teria um fim trágico na grande crise de 2001. Durante a campanha eleitoral, Milei prometeu que quebraria esse ciclo transformando os dólares na moeda corrente do país e fechando o Banco Central. Mas, depois que foi eleito, ele baixou o tom sobre essas propostas e nomeou um ministro da Economia que é conhecidamente contra a dolarização.