O acordo alcançado na conferência sobre as mudanças climáticas da ONU (COP28), em Dubai, com um apelo a abandonar os combustíveis fósseis, gerou sentimentos desencontrados: enquanto os organizadores e muitos governantes o aclamaram como um "marco histórico", cientistas especializados o receberam com ceticismo, críticas ou um otimismo cauteloso.
Muitos climatologistas consideram que a alegria dominante entre aqueles que assinaram o documento na quarta-feira, na capital dos Emirados Árabes Unidos, não reflete o alcance limitado do pacto.
- "Pouco convincente" -
Michael Mann, climatologista e geofísico da Universidade da Pensilvânia, criticou o tom vago da declaração sobre os combustíveis fósseis, que não estabelece limites claros e responsáveis sobre quanto os países devem fazer e tampouco determina datas precisas das metas a serem alcançadas.
"O acordo para 'abandonar os combustíveis fósseis' é, na melhor das hipóteses, frágil", disse Mann à AFP. "Não é convincente. É como você prometer ao seu médico que vai parar de comer rosquinhas depois de ter sido diagnosticado com diabetes", exemplificou.
"A falta de um acordo para eliminar progressivamente os combustíveis fósseis foi devastadora", sentenciou.
Mann reivindicou uma reforma substancial das normas das conferências das partes (COP), permitindo, por exemplo, que maiorias qualificadas aprovem decisões, apesar das objeções de países petroleiros reticentes, como a Arábia Saudita, e também proibindo os executivos do petróleo, como o chefe da organização da COP28, o emiradense Sultan Al Jaber, de presidir cúpulas futuras.
"Que as emendem, mas não as concluam. Ainda temos que continuar com as COP. São nosso único marco multilateral para negociar políticas climáticas globais", ressaltou.
No entanto, Mann advertiu que "o fracasso da COP28 em obter avanços significativos em um momento em que está se fechando nossa janela de oportunidades para limitar o aquecimento global abaixo de níveis catastróficos é motivo de grande preocupação".
- "Sentença de morte" -
"Sem dúvida, haverá muita comemoração e tapinhas nas costas (...), mas a física não se importa com isso", disse Kevin Anderson, professor de energia e mudança climática da Universidade de Manchester (Grã-Bretanha).
A humanidade tem pela frente entre cinco e oito anos de emissões no nível atual antes de esgotar o "orçamento de carbono" necessário para manter o aquecimento de longo prazo em 1,5º C, necessário para evitar os piores impactos do aumento da temperatura no planeta no longo prazo, explicou.
Segundo Anderson, mesmo que as emissões de gases já começassem a diminuir em 2024, o que não é um requisito estabelecido no acordo, seria preciso acabar com o uso dos combustíveis fósseis em todo o mundo até 2040, ao invés da "linguagem fraudulenta de zero emissões líquidas até 2050" previstas no acordo.
Em sua opinião, trata-se de uma "sentença de morte" para o teto de 1,5º C, e até mesmo o objetivo menos ambicioso de limitar o aquecimento global a 2º C, que de todo modo traz um risco significativo de desencadear perigosos pontos de inflexão nos sistemas climáticos planetários, está se distanciando.
- "Muitos vão morrer" -
Friederike Otto, climatologista especialista na análise do papel das mudanças climáticas em fenômenos meteorológicos extremos específicos, também foi crítica com o que foi acordado: "os interesses financeiros de curto prazo de alguns poucos voltaram a se impor sobre a saúde, a vida e o sustento da maioria das pessoas que vive neste planeta".
"Considera-se um compromisso, mas devemos ser muito claros sobre aquilo que foi acordado", afirmou Otto, professora do Instituto Grantham para as Mudanças Climáticas, do Reino Unido.
Neste sentido, alertou: "com cada verbo vago, cada promessa vazia no texto final, milhões de pessoas a mais vão entrar na linha de frente das mudanças climáticas e muitas vão morrer".
No entanto, Johan Rockstrom, catedrático de Ciências Ambientais, que preside o Instituto Potsdam para a Pesquisa do Impacto Climático (PIK), na Alemanha, argumentou que embora o acordo da COP28 não consiga conter o aumento da temperatura média do planeta a 1,5º C, continua sendo um "marco crucial".
"Este acordo deixa claro a todas as instituições financeiras, empresas e sociedades que agora estamos, enfim - com oito anos de atraso em relação ao calendário estabelecido no Acordo de Paris - no verdadeiro 'começo do fim' da economia global baseada em combustíveis fósseis", afirmou o especialista sueco.
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