Do lado de lá da fronteira, terra arrasada. Além dos quase 25 mil palestinos mortos em Gaza, segundo a Organização das Nações Unidas, pelo menos 60% das casas ou unidades habitacionais no enclave foram destruídas ou danificadas. Nove em cada 10 escolas sofreram danos significativos. Hospitais, edifícios públicos e redes elétricas também foram atingidos.

Do lado israelense, apesar de uma infraestrutura quase intacta e da vida que segue seu curso, famílias esperam apreensivas o retorno dos 130 sequestrados presos em cativeiro, mas também dos milhares de soldados convocados para engrossar as fileiras de Israel na guerra. Segundo o Exército do país, 531 deles foram mortos durante as investidas em território palestino.


A brasileira Natália Greenfeld, 37 anos, está grávida de sua primeira filha com o marido, um comandante das forças de Israel que conheceu no Rio de Janeiro enquanto ele fazia um intercâmbio, há nove anos.

Convocado logo no início da guerra, o companheiro deixou Natália na casa dos pais, em Givatayim, uma cidade pequena ao lado de Tel Aviv, para que ela não corresse o risco de ter a criança sozinha, em casa. Em entrevista exclusiva ao Correio, Natália conta como se sente à medida que vê o conflito se arrastar enquanto espera um bebê, o retorno do marido e o restabelecimento da paz.

Como tem sido a vida em Israel depois do 7 de outubro? É possível seguir sua rotina e circular normalmente pelas cidades?

A vida em Israel mudou completamente. Quem não foi chamado para servir no Exército está prestando trabalho voluntário. Tem uma rede de voluntários enorme em Israel. A rede funciona para todo tipo de serviço, desde pessoas que estão resgatando animais que foram deixados para trás nas áreas dos ataques, até voluntários preparando todo tipo de doação para enviar para o Exército, doações de comida, equipamentos militares, roupa, materiais de higiene… A sensação de insegurança ainda é grande. Eu sempre confiei muito no Exército de Israel, que é tido como um dos exércitos mais fortes do mundo. A gente tem um domo de ferro que intercepta e explode os mísseis que são lançados por Gaza, no ar. Então, a sensação de insegurança maior, pelo menos para mim, é pelo fato de terem entrado 2 mil terroristas em Israel. Teve um trabalho de segurança muito grande na fronteira com Gaza, mas ainda tenho medo de descer e encontrar um terrorista nas ruas. Essa não é uma sensação que a gente tem no Brasil. Eu cresci no Rio e fui assaltada diversas vezes à mão armada, e esse foi um dos motivos, inclusive, por que deixei o Rio de Janeiro e vim para Israel, foi pela segurança. Mas aqui é diferente, porque se você encontra uma pessoa armada, ela não está querendo roubar sua bolsa, seu telefone, ela quer tirar sua vida.

Você está esperando um bebê em meio a uma guerra. Qual o seu sentimento a respeito da convocação do seu marido e sobre o futuro da sua família em Israel?

Esta é a minha primeira gravidez. Estou com 39 semanas, ou seja, a qualquer momento ela pode nascer. Logo que começou a guerra, o Exército ligou para o meu marido para convocá-lo. Ele é comandante, então é obrigado a servir. Eu pedi para ele não ir, falei: não, você sempre é convocado, você sempre vai. Dessa vez, tem que colocar a família como prioridade, eu vou parir a qualquer momento, eu preciso de você comigo! Mas não teve jeito, ele teve que ir. Meu marido, como todos os israelenses, é muito patriota e sabe da importância do serviço militar para proteger o país. Eu fico recebendo informações, acompanho o noticiário todos os dias, o dia inteiro, praticamente. Não tem uma família em Israel que não tenha um familiar, um amigo que esteja lutando na guerra ou que não conheça alguém que morreu. O país inteiro está em luto. Eu penso pelo meu lado… É nossa primeira filha, seria um momento de celebração, um momento de novidade nas nossas vidas. Meus pais estavam vindo do Brasil e iam passar três meses aqui em Israel para conhecer a netinha, para me ajudar, e tiveram que cancelar a viagem por conta da guerra. A minha vida inteira virou de cabeça para baixo. Eu tive que mudar para casa dos meus sogros, porque não posso ficar sozinha em casa e entrar em trabalho de parto sozinha. Meu marido está em campo e sempre vem um medo do que vai acontecer. Ele vai voltar? Não vai voltar? A gente sempre tem esperança de que não vai acontecer nada, mas é uma guerra que ninguém sabe quando vai acabar e quais as consequências. Eu recebi muitas mensagens de amigos do Brasil, falando: por que você não volta? Tem meus pais, a minha família no Brasil, mas o meu marido está aqui, a gente vai ter uma filha juntos, então a minha vida é aqui agora. Jamais abandonaria ele neste período. Também não creio que volte depois da guerra. Pelo que eu tenho visto das manifestações ao redor do mundo, desde a guerra, tem havido muitas manifestações antissemitas e eu não acho que eu me sentiria mais segura em nenhum outro lugar do mundo do que eu me sentiria aqui, por ter uma família judia. Agora, é rezar para ele voltar e também o irmão mais novo dele, que também foi convocado.

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