Brasília – Uma semana após a crise diplomática entre Brasil e Israel causada pela declaração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva comparando os ataques de Israel na Faixa de Gaza ao Holocausto, o ministro dos Direitos Humanos e Cidadania, Silvio Almeida, discursou ontem na reunião do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), em Genebra, na Suíça. Ele condenou a operação militar no território palestino, a qual chamou de “punição coletiva”. E também criticou os ataques do grupo terrorista Hamas a Israel, em 7 de outubro do ano passado, que causaram o conflito.
“Reitero nosso repúdio à flagrante desproporcionalidade do uso da força por parte do governo de Israel, uma espécie de 'punição coletiva', que já ceifou a vida de quase 30 mil palestinos, a maioria deles, mulheres e crianças, forçadamente deslocou mais de 80% da população de Gaza, e deixou milhares de civis sem acesso a energia elétrica, água potável, alimentos e assistência humanitária básica”, afirmou Almeida.
O ministro ainda cobrou de Israel o cumprimento das determinações da Corte Internacional de Justiça para evitar um genocídio. “Incitamos que Israel cumpra integralmente com as medidas emergenciais determinadas pelo tribunal [da ONU], no sentido que cessem as graves violações dos direitos humanos”, disse. Ele afirmou também que a criação de um Estado palestino livre e soberano que conviva com estado de Israel “é condição imprescindível para a paz”, e disse esperar que o conselho reconheça que a ocupação israelense é ilegal e viola normas internacionais.
“Consideramos ser dever deste conselho prestigiar a autodeterminação dos povos, a busca da solução pacífica dos conflitos e se opor de forma veemente a toda forma de neocolonialismo e de apartheid”, declarou. Sobre o Hamas, o ministro afirmou: “Nossa profunda indignação com o que acontece em Gaza. Já em mais de uma oportunidade condenamos os ataques impetrados pelo Hamas e demandamos a libertação imediata e incondicional de todos os reféns”.
No início da semana passada, Lula foi declarado “persona non grata” pelo primeiro-ministro Benjamin Netanyahu após chamar de “genocídio” e “chacina” os ataques de Israel no território palestino.
SAÍDA
Um dos principais líderes da Autoridade Nacional Palestina (ANP) – atualmente em descrédito –, Mohammad Shtayyeh, anunciou ontem seu pedido de renúncia com o argumento de permitir que palestinos formem um consenso sobre os rumos de sua política em meio à guerra contra Israel em Gaza. A decisão ocorre em um momento em que há ampla pressão dos Estados Unidos para que o presidente da ANP, Mahmoud Abbas, reforme a autoridade, à medida que os esforços internacionais se intensificaram para interromper os ataques a Gaza.
Constituída em 1993, a ANP governa apenas parcialmente a Cisjordânia, território palestino ocupado cuja governança se assemelha a uma colcha de retalhos após a divisão do território travada pelos acordos de Oslo. A renúncia de Shtayyeh ainda precisa ser aceita por Abbas, que pode pedir que seu primeiro-ministro permaneça no cargo como interino até que um substituto permanente seja nomeado. Acadêmico e economista, o premiê palestino assumiu o cargo em 2019. Em comunicado, seu gabinete disse que a próxima etapa da ANP precisa levar em conta a realidade Faixa de Gaza, devastada após quase cinco meses de intenso conflito armado entre Israel e o Hamas. Quase 30 mil pessoas já morreram na região.
“A próxima fase exige novos acordos governamentais e políticos que tenham em conta a realidade emergente da Faixa de Gaza, as conversas sobre unidade nacional e a necessidade, urgente, de um consenso palestino”, disse Shtayyeh, que também falou sobre uma “extensão da autoridade da ANP sobre todo o território da Palestina”.
Em jogo, como mostra a última frase de Shtayyeh, está a capacidade da Autoridade Palestina de governar uma Gaza pós-guerra, ainda que haja ampla descrença em relação a isso. Na última semana, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu apresentou a seu gabinete de segurança um plano para o pós-conflito que dizia que a autoridade de Gaza, hoje em mãos do Hamas, seria repassada para “funcionários locais não ligados ao terrorismo”. O plano não fazia qualquer menção à ANP. O Fatah, grupo que controla a ANP, e o Hamas, a facção terrorista que governa Gaza desde os anos 2000, têm feito esforços para chegar a um acordo sobre um governo de unidade e devem se encontrar em Moscou, na Rússia, nesta quarta-feira. Um alto funcionário do Hamas disse que a medida deve ser seguida por um acordo mais amplo sobre governança na região.