A França pode se tornar na próxima segunda-feira o único país a garantir constitucionalmente a "liberdade garantida" de abortar, após superar, nesta quarta-feira (28), o último obstáculo de um longo processo iniciado após as restrições impostas nos Estados Unidos em 2022.
O Senado deu o aval a essa reforma constitucional, já aprovada pela Assembleia Nacional (Câmara baixa) em 30 de janeiro, dissipando a incerteza que pairava e abrindo caminho para o voto final simbólico.
Este acontecerá na segunda-feira, quando ambas as câmaras se reunirem em um Congresso extraordinário em Versalhes, no sudoeste de Paris, convocado pelo presidente Emmanuel Macron para tornar esse direito "irreversível".
"Quando os direitos das mulheres são atacados em todo o mundo, a França se levanta e assume seu lugar na vanguarda do progresso", comemorou o primeiro-ministro do país, Gabriel Attal, na rede social X.
A menos que haja uma surpresa, o resultado será favorável. A inscrição requer uma maioria de três quintos dos presentes e, dos 925 legisladores franceses, 760 já deram seu aval nos votos unicamerais.
"Despertamos enormes esperanças em todo o mundo. Hoje, as mulheres polonesas, húngaras, americanas, iranianas e argentinas olham para a França com admiração", disse a senadora ecologista Mélanie Vogel.
- Mulheres e democracia -
Na França, o aborto foi legalizado em 1975 por uma lei promovida pela ministra Simone Veil, ícone da emancipação feminina e sobrevivente do Holocausto. Em 2022, os prazos foram estendidos para 14 semanas.
Embora o direito ao aborto não esteja realmente em perigo na França - em 2022 foram realizadas 234.300 interrupções voluntárias da gravidez -, a decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos de deixar de reconhecer o aborto como um direito federal acendeu o alerta no país.
Em novembro de 2022, a Assembleia Nacional francesa aprovou uma iniciativa da oposição de esquerda radical para inscrever na Constituição de 1958 o aborto como um "direito".
Mas o Senado defendeu em fevereiro de 2023 blindá-lo como uma "liberdade". Após fracassar essa primeira tentativa, Macron retomou a reforma e propôs "liberdade garantida", como consenso.
A oposição de direita e centro, que controla o Senado, também não estava convencida desse termo, mas acabou cedendo à pressão social e política.
Com 80% dos franceses apoiando essa reforma, segundo pesquisas, "se eu votar contra, minhas filhas não virão mais para o Natal", reconheceu uma legisladora, que pediu anonimato.
Tanto associações de defesa dos direitos das mulheres quanto coletivos antiaborto manifestaram-se nesta quarta-feira nas imediações do Senado para manter a pressão.
Em sua visita em setembro a Marselha, no sul da França, o papa Francisco lamentou o destino "das crianças não nascidas, rejeitadas em nome de um falso direito ao progresso".
O direito ao aborto sofreu retrocessos nos últimos anos na Europa, como na Hungria e na Polônia, e ainda é proibido em alguns países, principalmente na América Latina, como El Salvador, Nicarágua, Honduras, Haiti e República Dominicana.
"Uma democracia não pode controlar seu destino se as mulheres que vivem nela não têm a liberdade de controlar o delas", disse o ministro da Justiça, Éric Dupond-Moretti, celebrando que a França se torne o "primeiro país do mundo" a blindar o aborto em sua Carta Magna.
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