A viúva do ex-presidente do Haiti Jovenel Moïse — morto em um atentado em 2021, no qual sua esposa também ficou ferida — está entre dezenas de pessoas acusadas de envolvimento no crime.
Após dois anos de investigação, Martine Moïse está sendo acusada de "cumplicidade e associação criminosa", de acordo com um documento judicial divulgado por um portal de notícias haitiano.
Até agora, nem a ex-primeira-dama, nem seu advogado comentaram a acusação.
Moïse, cujo paradeiro é desconhecido, usou as redes sociais nos últimos dias para denunciar "prisões injustas" — e o que descreveu como uma "perseguição sem fim".
Novas acusações
A imprensa haitiana destacou que, embora o extenso documento judicial acuse 51 pessoas, ele não identifica quem ordenou e financiou o assassinato do então presidente Moïse.
Ele tinha 53 anos quando foi morto a tiros em 7 de julho de 2021 em sua residência, nos arredores da capital, Porto Príncipe, por um grupo de mercenários — em sua maioria, colombianos. A ex-primeira dama também ficou ferida no atentado.
As últimas acusações, reveladas na segunda-feira (19/02) pelo portal de notícias haitiano Ayibo Post, foram apresentadas pelo juiz Walther Wesser Voltaire, o quinto magistrado a liderar a investigação do caso.
No documento de 122 páginas, ele detalha as acusações contra Martine Moïse e outros 50 suspeitos.
Voltaire alega que as declarações da ex-primeira-dama após o assassinato do marido foram "tão marcadas por contradições que deixam muito a desejar e a desacreditam"
A ex-primeira-dama
Martine Moïse, de 49 anos, ficou gravemente ferida no atentado que matou seu marido.
Ela foi baleada nos braços e na coxa, e sofreu lesões graves nas mãos e no abdômen.
Após o incidente, ela foi atendida na emergência do Hospital Geral de Porto Príncipe, em meio a uma grande confusão e rumores falsos sobre sua morte.
Ela foi então transferida para Miami, nos EUA, onde descreveu o assassinato do marido como um ataque de indivíduos "altamente treinados e fortemente armados" que queriam sabotar a transição democrática no Haiti.
No mesmo mês, ela voltou inesperadamente ao país, e a sua defesa garante que ela está atualmente escondida em um local não revelado por razões de segurança.
Martine Moïse criticou em diversas ocasiões a investigação do assassinato do marido, afirmando que os juízes encarregados do caso não têm interesse em descobrir a verdade.
A ex-primeira-dama, que conheceu Jovenel Moïse durante os tempos de faculdade, se destacou durante o mandato do marido por apoiar causas civis e humanitárias.
Ela liderou a Fondasyon Klere Ayiti, uma ONG de desenvolvimento comunitário voltada para a educação e questões femininas, e também foi presidente da coordenação do Fundo Global no Haiti, que busca combater o HIV/AIDS, a malária e outras doenças no país caribenho.
Por que ela é suspeita
Como prova contra Martine Moïse, o documento cita uma declaração de Lyonel Valbrun, que era secretário-geral do Palácio Nacional do Haiti quando o presidente foi assassinado.
Valbrun alega que Jovenel Moïse chegou ao Palácio Nacional do Haiti, residência oficial do presidente, dois dias antes do assassinato.
Segundo ele, Martine Moïse passou cinco horas retirando "um monte de coisas" do palácio.
Não está claro o que ela supostamente pegou, mas a declaração sugere que as ações da ex-primeira-dama não se deviam à "intuição" ou ao "acaso" — mas, sim, ao fato de que ela teria conhecimento prévio dos eventos que estavam por vir.
Valbrun alega ainda que naquele mesmo dia ela ligou para ele e disse: "Jovenel (Moïse) não fez nada por nós" como presidente.
A acusação também menciona outro suspeito, o ex-funcionário do Ministério da Justiça haitiano Joseph Felix Badio, que acusa Martine Moïse de conspirar para derrubar o marido do poder.
De acordo com Badio, a ex-primeira-dama conspirou com o então primeiro-ministro, Claude Joseph, para destituir Moïse do cargo.
O plano, alegou Badio, era que Joseph liderasse o país até a realização de novas eleições, nas quais Martine Moïse concorreria à presidência.
Claude Joseph também foi acusado de conspiração e associação criminosa.
O plano, alegou Badio, era que Joseph liderasse o país até a realização de novas eleições, nas quais Martine Moïse concorreria à presidência.
Claude Joseph também foi acusado de conspiração e associação criminosa
As suspeitas sobre o atual presidente
Em declaração ao jornal Miami Herald, Joseph afirmou que ele e a ex-primeira-dama estão sendo atacados pelo atual presidente e primeiro-ministro interino do Haiti, Ariel Henry.
De acordo com ele, Henry foi "o principal beneficiário" do crime, uma vez que assumiu o cargo duas semanas depois e permanece no poder desde então.
Os pedidos para sua saída do cargo aumentaram nas últimas semanas, com muitos haitianos denunciando que ele não cumpriu sua promessa de realizar novas eleições.
Henry argumenta que não pode convocar eleições enquanto o país estiver assolado pela violência de gangues, fora de controle desde o assassinato do presidente Moïse.
Joseph acusa Henry de "transformar o sistema de justiça haitiano em uma arma, processando oponentes políticos, como eu".
"Não conseguiram matar Martine Moïse e a mim em 7 de julho de 2021, e agora estão usando o sistema de justiça haitiano para promover sua agenda maquiavélica", disse.
Henry não está na lista de acusados pelo juiz Walther Wesser Voltaire, embora registros telefônicos supostamente mostrem que ele recebeu vários telefonemas de um dos suspeitos horas após o assassinato.
O suspeito que teria ligado para o atual presidente é Joseph Felix Badio, o mesmo homem que é citado acusando Martine Moïse de conspirar para derrubar o marido.
Henry sempre disse que não se lembra de ter recebido um telefonema de Badio na noite do assassinato.
No entanto, o fato de ter demitido o promotor que tentou interrogá-lo por causa dos telefonemas gerou críticas — e atrasou ainda mais a investigação.
Ele também rejeitou as acusações de estar ligado de alguma forma ao assassinato de Moïse, classificando-as como "notícias falsas".
As autoridades haitianas não são as únicas que investigam o assassinato de Moïse.
Quatro pessoas foram condenadas à prisão perpétua nos Estados Unidos, onde parte do complô para derrubar o então presidente foi supostamente tramado.
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