As ruas de Porto Príncipe foram palco nesta quinta-feira (14) de vários confrontos armados após três dias de calmaria, enquanto continuavam as conversações para instalar autoridades transitórias encarregadas de tirar o país caribenho da grave crise política, de insegurança e humanitária que o assola.
Na capital, controlada em 80% pelas gangues, tiros de armas automáticas foram ouvidos na quarta-feira à noite e na madrugada desta quinta-feira, segundo um correspondente da AFP.
"Ouvi tiros durante toda a noite. Não consegui fechar os olhos. Os tiros pareciam muito próximos", disse uma moradora de Vivy Mitchel, um bairro de Pétion-Ville, nos arredores de Porto Príncipe.
Nesta quinta-feira, também houve tiros perto do Aeroporto Internacional Toussaint Louverture, onde estão sendo realizados trabalhos de reparação nas cercas.
O aeroporto está fechado desde o início do mês, quando as poderosas gangues armadas que dominam o Haiti iniciaram ataques contra locais estratégicos, em um impasse com o então primeiro-ministro Ariel Henry.
Um agente foi atingido por uma bala enquanto estava no pátio da Direção Geral da Polícia Haitiana, perto do aeroporto, segundo um membro de um sindicato policial. A vítima foi imediatamente levada para um hospital.
Esses novos incidentes ocorrem após dias de calma precária no país, após a renúncia na segunda-feira do contestado Henry. O político, no poder desde o assassinato do presidente Jovenel Moïse em 2021, estava sob forte pressão internacional e local para deixar o cargo.
- Avanços nas conversações políticas -
Após sua renúncia, a Comunidade do Caribe (Caricom) anunciou a criação iminente de um conselho presidencial de transição.
Este grupo terá sete membros com direito a voto, representando as principais forças políticas do país e o setor privado. Uma vez formado, terá que escolher um primeiro-ministro interino e nomear um governo "inclusivo".
Até agora, seis das sete formações apresentaram o nome de seu representante à Caricom, que supervisiona as negociações, indicaram várias fontes à AFP.
Apenas o partido de esquerda Pitit Desalin decidiu não integrar o conselho, mas já estão sendo tomadas medidas para encontrar outro partido ou grupo que o substitua.
Quanto aos membros do Coletivo de 21 de Dezembro, o grupo de Ariel Henry, não conseguiram chegar a um acordo sobre um único representante e designaram três pessoas.
Um assessor especial de Henry disse à CNN que, de acordo com a Constituição, apenas o primeiro-ministro demissionário e seu gabinete poderiam nomear oficialmente o conselho de transição.
"Não vamos entregar o país a um grupo de pessoas sem seguir as regras. Estamos em crise como país, mas devemos nos manter dentro da lei e dar exemplo", disse Jean-Junior Joseph.
- Ponte aérea -
Henry, que havia viajado a Nairóbi para assinar um acordo para instalar uma missão de policiais quenianos no Haiti, não pôde retornar ao seu país e está em Porto Rico.
Diante do vácuo de poder atual, o Quênia anunciou que suspendia o envio de suas tropas como parte de uma missão internacional apoiada pela ONU, até a instalação das novas autoridades.
"Solicitamos que a missão seja lançada urgentemente, e continuamos apoiando as forças policiais haitianas que já estão no terreno", declarou nesta quinta-feira Christophe Lemoine, porta-voz adjunto do Ministério das Relações Exteriores francês.
A reação das gangues aos acontecimentos políticos está sendo acompanhada com especial atenção. O líder de uma das gangues declarou na quarta-feira que "continuará a luta pela libertação do Haiti".
Jimmy Chérizier, conhecido como "Barbacue", declarou em entrevista à emissora colombiana W que a renúncia de Henry não o preocupava e que se recusava a deixar que a Caricom "decidisse" em nome do povo haitiano.
Aguardando para ver como evolui a crise, a ONU anunciou que a ponte aérea que deseja estabelecer entre o Haiti e a vizinha República Dominicana deverá estar "operacional o mais rápido possível".
Stéphane Dujarric, porta-voz do secretário-geral da ONU, António Guterres, afirmou que o objetivo dessa conexão aérea será levar "suprimentos" ao Haiti, mas também transferir para a República Dominicana o pessoal internacional não essencial da ONU e trazer especialistas em gestão de crises e ajuda humanitária.
A União Europeia anunciou na segunda-feira que havia evacuado todo o seu pessoal do Haiti.
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