Vladimir Putin está no poder desde 2000, mais tempo do que qualquer outro líder russo desde o ditador soviético Joseph Stalin.
Aos 71 anos, ele se prepara para um quinto mandato como presidente, diante das eleições realizadas em todo país neste final de semana.
Qualquer aparência de oposição desapareceu na Rússia e há pouco que o impeça de permanecer no poder, se quiser, até 2036.
E, no entanto, foi quase por acidente que este homem, que no passado foi um membro pouco conhecido na KGB (a agência de inteligência da URSS), foi escolhido a dedo para o Kremlin. Um caso de estar no lugar certo na hora certa no círculo íntimo do seu antecessor Boris Yeltsin.
Vladimir Putin foi um rapaz que lutou nas ruas e passou os primeiros anos de serviço em um apartamento comunitário, ou kommunalka, na Leningrado comunista.
Embora parecesse abraçar a Rússia liberal e democrática, mais tarde descreveu o colapso caótico da União Soviética como "a maior catástrofe geopolítica do século [20]".
Muitos anos depois, determinado a impedir a Ucrânia de sair da órbita da Rússia, desencadeou a maior guerra da Europa desde a 2ª Guerra Mundial, com uma invasão em grande escala em 24 de fevereiro de 2022.
A visão distorcida da história de Putin
Vladimir Putin muitas vezes justifica as suas ações com uma percepção distorcida da história e um profundo ressentimento em relação à Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte).
Antes da invasão, e desde então, ele alegou falsamente que a Ucrânia era um Estado artificial povoado por neonazistas e procurou impedir a aproximação da Ucrânia com a Otan.
O líder ocidental que provavelmente o conheceu de forma mais profunda foi a ex-chanceler da Alemanha, Angela Merkel, que certa vez o descreveu como alguém fora de sintonia com a realidade e que vivia "num outro mundo".
Merkel tentou repetidamente negociar com Vladimir Putin, mas depois que ele enviou tropas para invadir Kiev, ela chegou à conclusão de que "ele quer destruir a Europa".
Vladimir Putin nasceu sete anos após o fim da 2ª Guerra Mundial – após o cerco de Leningrado que matou seu irmão mais velho e ao qual seus pais sobreviveram por pouco.
Ele teve uma infância difícil que afetaria o resto de sua vida.
'Você tem que dar o primeiro soco'
Em uma entrevista em 2000, ele se lembrou de ter perseguido um grande rato na escada do seu prédio comunitário.
O animal não tinha para onde correr depois de ser encurralado, disse. Putin afirmou ainda que o rato tentou atacá-lo e se atirou contra ele: "Ali aprendi uma lição rápida e duradoura sobre o significado da palavra encurralado".
O jovem Putin brigou com rapazes locais, que muitas vezes eram maiores e mais fortes. Mais tarde, ele relembraria aquela época e se descreveria como um "hooligan".
Ele estudou judô - continua como faixa preta durante sua Presidência - e a arte marcial russa do sambo, e ficou próximo de seus parceiros de infância, Arkady e Boris Rotenberg.
Em 2015, ele refletiu sobre suas primeiras experiências nas ruas da cidade que hoje é São Petersburgo: "Há cinquenta anos, a rua de Leningrado me ensinou uma regra: se uma briga é inevitável, você tem que dar o primeiro soco".
Depois de estudar na Universidade Estadual de Leningrado, em 1975 foi direto para o serviço de inteligência soviético, a KGB. Foi um passo natural para um graduado em Direito e lhe convinha perfeitamente.
Era também o emprego dos sonhos para um jovem criado assistindo a programas de TV soviéticos como A Espada e o Escudo, que narrava a coragem de um espião russo disfarçado na Alemanha nazista.
"Fui um produto puro e totalmente bem-sucedido da educação patriótica soviética", refletiu.
Ele falava bem alemão e foi enviado para a cidade de Dresden, na Alemanha Oriental, em 1985, onde viu em primeira mão o colapso de um estado comunista em 1989.
Da sede da KGB, do outro lado da rua, ele assistiu enquanto multidões invadiam a sede da polícia secreta da Alemanha Oriental, a Stasi. Quando um pequeno grupo se aproximou de seu prédio, ele os advertiu.
Mas quando chamou uma unidade de tanques do Exército Vermelho para proteção, percebeu que a Rússia não ajudava em nada: "Não podemos fazer nada sem ordens de Moscou. E Moscou está em silêncio."
No ano seguinte, regressou a um sistema político em queda livre. Ele recebeu o posto de tenente-coronel, mas nunca se destacou na KGB. Um de seus superiores, Nikolai Leonov, o descreveu como um "agente medíocre".
Privado com pequeno círculo de confidentes
Até hoje, ele mantém como seus confidentes mais próximos um pequeno círculo de colegas da KGB de Leningrado – aliados de longa data como Nikolai Patrushev, secretário do Conselho de Segurança da Rússia.
Não foi por causa de seus "lindos olhos" que ele os recrutou, lembrou certa vez seu antigo treinador de judô, Anatoly Rakhlin, "mas porque ele confia em pessoas que já provaram seu valor".
Aqueles em quem ele confia, muitas vezes ele enriquece. Ele entregou ao amigo de infância Arkady Rotenberg um contrato de US$ 3,5 bilhões (R$ 17,5 bilhões) para construir uma ponte entre a Rússia e a Crimeia ocupada.
Ele é extremamente reservado sobre sua vida pessoal e se divorciou de sua esposa Lyudmila em 2013, após 30 anos de casamento.
Eles tiveram duas filhas, Maria Vorontsova, uma acadêmica e empresária, e Katerina Tikhonova, chefe de uma fundação de pesquisa.
A partir de 1991, Vladimir Putin tornou-se vice do novo prefeito de Leningrado, Anatoly Sobchak, além de um conselheiro altamente valorizado. Quando Sobchak perdeu a reeleição, seu vice foi contratado para trabalhar na administração presidencial em Moscou.
Estes foram os últimos anos da administração Boris Yeltsin e a ascensão de Putin foi meteórica.
Ele passou um curto período de tempo como chefe do Serviço Federal de Segurança, que substituiu a KGB, e foi então convidado a se reportar ao presidente como secretário do Conselho de Segurança.
'Excelente candidato' à presidência
Em 9 de agosto de 1999, Yeltsin renunciou ao cargo de primeiro-ministro depois de adoecer e escolheu como substituto seu pouco conhecido protegido de 46 anos, que iria conduzir reformas antes das eleições presidenciais de 2000.
Mas Yeltsin precisava de um sucessor permanente.
"Putin mostrou-se um liberal e um democrata, que queria continuar as reformas de mercado", disse Valentin Yumashev, ex-chefe da administração presidencial russa que aconselhou Yeltsin de que Putin seria um "excelente candidato".
À medida que a presidência de Yeltsin era deixada para trás, Moscou foi atingida por uma série de atentados mortais e inexplicáveis. Vladimir Putin respondeu com uma ofensiva terrestre em grande escala para recapturar a república russa da Chechênia, maioritariamente muçulmana, das mãos dos rebeldes separatistas.
A sua popularidade disparou e, em 31 de dezembro de 1999, foi nomeado presidente interino, vencendo o seu primeiro mandato presidencial três meses depois.
Milhares de civis morreram na campanha chechena e, como faz frequentemente, Vladimir Putin usou uma linguagem grosseira para descrever como eliminaria os rebeldes "mesmo na privada".
A capital, Grozny, foi devastada. O líder da Rússia teve a sua vitória.
Seu primeiro desafio doméstico veio em 2000, quando o submarino nuclear Kursk afundou em um acidente no Mar de Barents, com a perda de todos os 118 tripulantes.
Putin não encerrou suas férias diante do incidente e inicialmente recusou ofertas de ajuda internacional. Muitos membros da tripulação morreram esperando para serem resgatados.
Os telespectadores russos viram na televisão imagens de viúvas em luto gritarem e protestarem contra seu presidente.
Quatro anos depois, os rebeldes chechenos fizeram 1.000 reféns, a maioria deles crianças, em uma escola em Beslan, na Ossétia do Norte. Quando as forças especiais russas invadiram o prédio, 330 pessoas morreram. Mais tarde, descobriu-se que a Rússia tinha informações sobre um ataque planejado, mas não agiu.
Os primeiros anos da presidência de Putin foram sangrentos e turbulentos, mas a economia russa estava bem, impulsionada pelos elevados preços do petróleo.
Ele ganhou apoio público para enfrentar os oligarcas bilionários que predominavam na Rússia na década de 1990. Eles os convocou para o Kremlin e disse que poderiam manter seus lucros desde que se mantivessem fora da política e o apoiassem.
Ele agiu rapidamente contra aqueles que não o fizeram, como o então homem mais rico da Rússia, Mikhail Khodorkovsky, que foi detido sob a mira de uma arma e encarcerado na Sibéria.
O presidente da Rússia também teve uma espécie de lua-de-mel com o Ocidente por um período. Ele foi um dos primeiros líderes estrangeiros a telefonar para o presidente George W. Bush após os ataques da Al-Qaeda de 11 de setembro nos EUA. Ele até ajudou os EUA a lançar a campanha que se seguiu no Afeganistão.
"Olhei o homem nos olhos. Achei-o muito franco e confiável", disse o presidente Bush.
Mas Vladimir Putin rapidamente ficou desiludido com os EUA e os seus aliados. As relações com o Reino Unido azedaram quando um antigo agente da KGB e crítico do Kremlin, Alexander Litvinenko, foi assassinado em Londres com o usdo de polónio-210 radioactivo. Um inquérito do Reino Unido descobriu mais tarde que o líder russo "provavelmente aprovou" o ataque da KGB.
Numa visita à Conferência de Segurança de Munique em 2007, Putin deixou claro os seus sentimentos em relação aos EUA.
"Um estado, os Estados Unidos, ultrapassou as suas fronteiras nacionais em todos os sentidos", queixou-se.
Foi uma lembrança gelada da velha Guerra Fria e uma expressão da raiva da Rússia pelo fato de os EUA continuarem a planejar a instalação de um sistema de defesa antimísseis na Europa Central.
"As pedras do Muro de Berlim têm sido distribuídas há muito tempo como lembranças… e agora estão tentando nos impor novas linhas divisórias e muros", disse Putin.
Exibição de sua força militar
Não demorou muito para ele mostrar que estava preparado para usar seu poder militar para minar os líderes pró-ocidentais nos antigos estados soviéticos.
Em 2008, as forças russas derrotaram o Exército georgiano e assumiram o controle de duas das suas regiões separatistas – a Abcásia e a Ossétia do Sul. Foi um confronto muito pessoal com o então presidente pró-Otan da Geórgia, Mikheil Saakashvili.
Vladimir Putin já era primeiro-ministro, uma vez que a Constituição o proibia de cumprir um terceiro mandato consecutivo como presidente, mas estava claro que ele ainda detinha o poder.
Hoje esse problema não existe mais. Putin conseguiu aprovou uma lei em 2021 que redefiniu o limite máximo de anos na presidência, o que significa que ele pode ir direto para um quinto mandato, e até mesmo um sexto.
A Rússia de 2024 é muito diferente do país inquieto que antecedeu o terceiro mandato de Putin.
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Acabando com a oposição
Em 2011, os maiores protestos em massa desde o colapso da União Soviética eclodiram nas principais cidades da Rússia, em resposta a alegações generalizadas de fraude nas eleições parlamentares.
Entre os líderes do protesto estava Boris Nemtsov, um liberal que foi vice-primeiro-ministro na década de 1990. Outra figura em ascensão foi o blogueiro anticorrupção Alexei Navalny, que rotulou a Rússia Unida de Putin como "o partido dos bandidos e ladrões".
Mas atualmente, a oposição genuína praticamente desapareceu.
Nemtsov foi morto a tiros em uma ponte, diante do Kremlin, em 2015. Navalny sobreviveu a um ataque por envenenamento em 2020, antes de ser preso em janeiro de 2021 e morrer três anos depois. Sua viúva acusou Vladimir Putin pelo seu assassinato.
Putin garantiu o apoio da Igreja Ortodoxa e construiu uma Guarda Nacional, ou Rosgvardiya, que se reporta diretamente a ele.
Atos públicos que questionam seu governo são poucos e raros. Crimes criados recentemente ainda visam aqueles que desacreditam os militares e divulgam notícias falsas e são amplamente utilizados para silenciar a dissidência.
A mídia russa é em grande parte dócil e controlada pelo Kremlin, que foi consumido pela guerra total na Ucrânia.
Putin enfrentou uma breve rebelião armada em junho de 2023, quando o antigo líder mercenário leal ao seu governo, Yevgeny Prigozhin, enviou as suas forças do Grupo Wagner para Moscou. Mas o levante foi rapidamente controlado e Prigozhin morreu algum tempo depois em um misterioso acidente de avião.
Em 2024, cerca de 40% das despesas orçamentais para as áreas de defesa e segurança, uma vez que Putin desvia grande parte da economia russa para a guerra.
Guerra na Ucrânia
A guerra de Putin na Ucrânia começou não em fevereiro de 2022, mas com a tomada da península ucraniana da Crimeia em 2014.
Na noite em que o líder pró-Moscou da Ucrânia fugiu dos protestos violentos em Kiev e foi efetivamente deposto, o presidente russo afirma ter tido uma reunião que durou toda a noite e na qual disse aos seus colegas que era hora de "trazer a Crimeia de volta à Rússia".
Agitadores pró-Rússia tomaram então áreas da região ucraniana de Donbass e a guerra tomou conta do leste durante oito anos - até que Putin decidiu que iria invadir a Ucrânia por norte, sul e leste, em uma tentativa de derrubar o governo eleito e tomar Kiev, com a invasão em 2022.
Ele tentou repetidamente justificar a guerra. Ele escreve longos ensaios históricos, faz discursos e dá palestras aos poucos visitantes estrangeiros que chegam. Mas é uma história distorcida e seletiva que não admite dissidências.
O grupo de direitos civis Memorial, que dedicou décadas a lembrar as vítimas da repressão soviética, foi banido.
O seu veterano co-presidente Oleg Orlov foi preso por ter dito a seguinte frase sobre Putin: "Eles queriam o fascismo e conseguiram."