Depois de qualquer ataque extremista, sempre surgem questionamentos a respeito de por que não foi possível impedi-lo ou detectá-lo. Mas o atentado a uma casa de shows nos arredores de Moscou, que deixou ao menos 133 mortos na última sexta-feira (22/3), traz à tona questionamentos particularmente difíceis para o presidente russo Vladimir Putin, em um momento de desconfiança e tensões internacionais.
E uma das principais razões para isso é uma advertência vinda de Washington, que antagoniza com Moscou no cenário internacional.
Em 7 de março, um alerta divulgado pelo Departamento de Estado americano para seus próprios cidadãos na Rússia era bastante específico.
Dizia o comunicado: "a Embaixada (americana em Moscou) está monitorando relatos de que extremistas têm planos iminentes de atacar grandes multidões em Moscou, incluindo shows, e cidadãos americanos devem evitar aglomerações nas próximas 48 horas".
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Embora o intervalo de 48 horas não tenha se confirmado, os demais detalhes coincidem com os eventos de 22 de março. Parece claro que Washington tinha algum tipo de inteligência, e que essas informações se relacionavam ao grupo autodenominado Estado Islâmico (Isis) - que emitiu comunicado reivindicando o atentado nos arredores de Moscou.
Uma suspeita é de que se trate da ramificação do Estado Islâmico chamada Isis-K, ou Isis-Khorasan, um grupo que tenta estabelecer um califado islâmico em áreas do Afeganistão, Paquistão, Turcomenistão, Tadjiquistão, Uzbequistão e Irã.
"O Isis-K está focado na Rússia há dois anos", afirmou ao jornal New York Times Colin Clarke, especialista em contraterrorismo baseado em Nova York. "O Isis-K acusa o Kremlin de ter sangue muçulmano nas mãos, em referência às intervenções russas no Afeganistão, na Chechênia e na Síria."
Além de ter emitido um alerta para seus próprios cidadãos, os EUA afirmaram terem se comunicado diretamente com o governo russo.
"O governo americano compartilhou essa informação (de um possível ataque iminente) com as autoridades russas, em concordância com sua política de longa data chamada ‘dever de advertir’", uma autoridade dos EUA afirmou depois dos ataques.
Apesar de Rússia e EUA não serem aliados, existem canais diplomáticos pelos quais informações de inteligência são compartilhadas - especialmente quando se trata de possíveis ataques contra civis.
O que está em discussão é a reação de Moscou ao alerta.
Três dias antes do ataque, Vladimir Putin falou com a direção do FSB, a agência de segurança russa, cujo trabalho é defender o país.
A prioridade máxima, disse Putin aos líderes da agência, era dar apoio à operação militar especial - que é como o presidente russo descreve a guerra na Ucrânia.
Ele alegou que a Ucrânia havia passado a recorrer ao que chamou de "táticas terroristas" e também falou de "comunicados provocadores" vindos do Ocidente sobre potenciais ataques à Rússia. Putin afirmou que tais alertas "se assemelham a chantagem, com a intenção de intimidar e desestabilizar nossa sociedade".
Isso sugere que, diante da desconfiança entre EUA e Rússia, Moscou pode ter escolhido não dar ouvido aos alertas - e tratá-los como parte de uma tentativa de enfraquecer a Rússia em meio ao conflito na Ucrânia.
Não sabemos ainda a natureza exata da informação de posse dos EUA, nem como ela foi transmitida às autoridades russas. É comum que dados de inteligência muitas vezes sejam vagos - o que torna difícil convertê-los em ações concretas.
Mas os EUA têm, de fato, uma ampla máquina de coleta de inteligência - e monitora o Estado Islâmico de perto.
A ramificação suspeita de ter atacado a casa de shows perto de Moscou também esteve conectada com um ataque contra tropas americanas e civis no aeroporto de Cabul (Afeganistão) em agosto de 2021, além de ataques a bomba no Iraque.
Mas se a inteligência compartilhada com a Rússia tiver sido crível e específica a respeito do Estado Islâmico, surge o questionamento de por que Putin e o FSB não levaram isso mais a sério.
Se for esse o caso, pode ser mais fácil para Moscou tentar relacionar o ataque à Ucrânia, tanto para desviar-se de responsabilidades quanto para obter apoio popular russo para a ofensiva contra o país vizinho - em vez de reconhecer o que as autoridades russas podem não ter visto a tempo.
Em pronunciamento no sábado (23/3), Vladimir Putin decretou luto oficial neste domingo e prometeu punir os responsáveis pelo ataque. Ele afirmou que todos os perpetradores já foram encontrados e detidos.
Putin também declarou que eles tentaram escapar em direção à Ucrânia (algo que Kiev nega), e que a segurança do país foi reforçada em resposta.
Chamando o episódio de "ato terrorista bárbaro", ele declarou que "nossos inimigos não vão nos dividir".