É falso que a Serasa esteja indenizando em R$ 30 mil brasileiros que tiveram seus dados vazados, como apontam centenas de publicações que circulam nas redes sociais em março de 2024. De fato, a empresa é ré em uma ação civil pública que pede o pagamento desse montante para clientes que tiveram informações pessoais vazadas em 2021, mas o processo segue em tramitação, como confirmou o Ministério Público Federal (MPF) à AFP. Além disso, as postagens são embasadas em manchetes falsas, ou em vídeos manipulados de influenciadores e jornalistas.  

“Serasa vai pagar 30 mil reais para cada brasileiro que teve os dados vazados! Serasa foi multada e obrigada a indenizar 200 milhões de brasileiros”, diz a suposta manchete sobreposta a um vídeo com 87 mil visualizações noFacebook. 

Há pelo menos mais cinco versões de vídeos que circulam com a alegação no Facebook (1,2,3,4,5) e noKwai. 

Nas sequências, diferentes apresentadores de telejornais e influenciadores parecem anunciar uma suposta indenização de R$ 30 mil da Serasa, empresa de análise de dados para crédito. Enquanto algumas versões apontam que o governo federal decretou o pagamento da indenização, outras afirmam que a empresa foi condenada.  

As publicações virais são acompanhadas de links e orientam o leitor a entrar nesses sites para conferir se possuem direito à indenização.

Contudo, a Serasa não está indenizando, até março de 2024, brasileiros que tiveram seus dados expostos. 

Processo em tramitação 

Uma pesquisa no Google com as palavras-chave“Serasa”e“indenização”levou a umamatériado jornal O Globo, publicada em 18 de janeiro de 2024, com o título “MPF quer que Serasa seja multada em R$ 200 milhões e pede indenização de R$ 30 mil para usuários; entenda a ação judicial”. 

No texto, é informado que o Ministério Público Federal (MPF) é coautor de uma ação civil pública junto aoInstituto Sigilo. A ação pede que a Serasa seja multada nesse valor, pelo vazamento de dados de brasileiros em 2021, e que indenize em até R$ 30 mil cada pessoa afetada. 

Contudo, a reportagem diz que não houve condenação:“Por meio de nota, a Serasa negou que já exista sentença prevendo o pagamento de R$ 30 mil de indenização”. 

O texto também informa que a Serasa afirma não haver indícios de que o“suposto vazamento tivesse tido origem em suas bases de dados”. 

A busca também resultou em outras duas notícias (1,2) sobre a ação, em que se repete a informação de que o processo não está encerrado e o posicionamento da empresa.

A ação se refere aovazamentode informações pessoais de mais de 223 milhões de pessoas, incluindo já falecidas, constantes na base de dados da Serasa, em 2021. Por conta da exposição das informações, o Instituto Sigilo ajuizou uma ação alegando quebra dos princípios da Lei Geral de Proteção de Dados, da Lei do Marco Civil da Internet e do Código de Defesa do Consumidor. 

Em contato com o AFP Checamos em 21 de março de 2024, o Ministério Público Federal confirmou que a ação segue em tramitação na Justiça Federal, como também é possível ver emconsulta públicana plataforma Processo Judicial Eletrônico (PJe), buscando pelo número de processo 5002936-86.2021.4.03.6100, enviado pelo MPF. 

“Ainda não houve julgamento dos pedidos de indenização formulados pelo MPF. Ou seja, até o momento, não houve determinação judicial para o pagamento de nenhum valor. Notícias que indiquem o contrário são falsas”, reforçou o MPF em comunicado enviado por e-mail. 

O Instituto Sigilo também é citado nas publicações virais como o órgão que vai“inscrever aqueles que possuem direito ao recebimento da indenização”. No entanto, em seusite, o instituto alertou para os golpes envolvendo a ação e esclareceu que nunca realizou cadastros para o recebimento do dinheiro. 

O instituto está captando assinaturas para umapetiçãoque será incorporada nos autos do processo. 

“Em todo o momento as pessoas são informadas das intenções da campanha. Não há nenhuma dúvida de que não há cadastramento de pessoas para recebimento de valores. O Instituto Sigilo não é órgão público ou Poder Judiciário para realizar tal procedimento”, informa a instituição em sua página. 

A nota de esclarecimento do instituto também ressalta que a ação em andamento não é a mesma queresultouna condenação da Serasa por comercialização indevida de dados de consumidores em 2022. 

Uma nova busca noDiário Oficial da Uniãopor“Serasa”e“indenização”tampouco resultou em algum decreto do governo federal que determine o pagamento de indenização da empresa a usuários. 

Prints e vídeos manipulados 

A alegação viral circula em vídeos diversos de jornalistas e influenciadores supostamente anunciando a indenização. Contudo, em todos os casos, a narração e as imagens não estão sincronizadas — um indício de que o material foi manipulado. 

Uma busca reversa pela filmagem do Jornal da Record que aparece em um dos vídeosmostrouque, na verdade, os apresentadores falavam sobre uma ação da Policia Civil contra pornografia infantil e não citavam nenhuma indenização da Serasa. 

Em outra versão, uma página falsa do portal g1 noticia a suposta indenização com uma captura de tela de umareportagemda CNN Brasil publicada em 2021. À época, o veículo não informou sobre nenhum pagamento. Uma busca no Google com as palavras-chave“Serasa”e“indenização”permitiu chegar ao conteúdo original, que apenas noticiava o vazamento que ocorreu naquele ano. 

Além disso, uma busca pelas manchetes supostamente veiculadas por meios de comunicação comoPortal R7,Globo,SBT NewseFolha de S.Paulotampouco trouxe resultados compatíveis com os títulos vistos nas sequências virais. 

Outraversãodesse conteúdo circula com a imagem de uma mulher que mostraria como consultar se uma pessoa tem direito à indenização. Contudo, uma busca com as palavras-chave“Serasa”e“indenização”no TikTok levou aovídeooriginal, publicado por uma advogada dedicada à proteção de dados. Ao comparar os conteúdos, é possível constatar que a versão viral foi manipulada. 

Na gravação original, a advogada Edmée Froz afirma que a ação civil ainda não foi concluída e não é possível ouvir o trecho viralizado que diz que“o Serasa foi obrigado a pagar R$ 30 mil para cada prejudicado”.

Através de busca reversa também foi possível identificar a identidade de outra mulher queapareceem algumas das sequências virais, a advogada e influenciadora Miriane Ferreira. Em suas redes, ela alertou para o golpe e afirmou que a sua imagem foi utilizada indevidamente e que modificaram a sua voz com inteligência artificial (1,2). 

Os vídeos viralizados são acompanhados de links que levam para sites com domínios diferentes daquele usado pelaSerasa, o que também indica se tratar de um golpe. 

NoReclame Aqui, plataforma de interação entre empresas e consumidores, dezenas de pessoas deixaram reclamações afirmando que pagaram uma taxa para receber a indenização, mas que não tiveram retorno do valor prometido. 

O AFP Checamos buscou a origem das outras sequências que mostram os apresentadores William Bonner e César Tralli, da Rede Globo, e Márcia Dantas e Marcelo Torres, do SBT News, supostamente anunciando a indenização, mas não conseguiu encontrar os vídeos originais. 

Esse conteúdo também foi checado porAos Fatos,Estadão Verifica,UOL ConfereeLupa. 

Referências 

Notícias sobre a ação civil (

1

,

2

)

Tramitação da Ação Civil

 

Nota do Instituto Sigilo

Vídeo original do Jornal da Record

Vídeo original da CNN

Vídeo original da advogada Edmée Froz

Vídeo de alerta da advogada Miriane Ferreira