Em 25 de março de 2024, o jornal The New York Times noticiou que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) passou dois dias na embaixada da Hungria em fevereiro, após ter seu passaporte apreendido pela Polícia Federal (PF). Desde então, publicações com mais de 20 mil visualizações nas redes sociais alegam que a embaixada é considerada terra estrangeira e, por isso, a PF não poderia realizar prisões no local. De fato, as embaixadas têm direito à inviolabilidade e agentes do Estado precisam de autorização do chefe da missão diplomática para entrar nelas. Contudo, elas não têm soberania territorial.
“URGENTE: De acordo com o jornal ‘The New York Times’, Bolsonaro passou duas noites escondido na embaixada da Hungria com medo de ser preso. A PF não pode realizar prisões dentro de embaixadas pois o local é considerado território estrangeiro”, diz a legenda de uma publicação noX. Conteúdos semelhantes também circulam noKwai, noFacebooke no Instagram.
A alegação começou a ser compartilhada após uma matéria do jornalThe New York Timesrevelar que Jair Bolsonaro passou dois dias na embaixada da Hungria, em Brasília, entre 12 e 14 de fevereiro de 2024. A estadia aconteceu depois que a Polícia Federal recolheu o passaporte de Bolsonaro em uma operaçãoque investiga uma tentativa degolpe de Estadoque teria ocorrido após as eleições de 2022.
Ao noticiar a visita de Bolsonaro à embaixada, alguns veículos de comunicação (1,2,3) também difundiram a alegação de que o local seria uma área estrangeira.
Contudo, apesar das embaixadas terem direito à inviolabilidade, elas não possuem soberania territorial.
Diferença entre inviolabilidade e soberania
No Brasil, as normas sobre relações e imunidades diplomáticas são determinadas pelaConvenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, de 1961. O artigo 22 do tratado garante às embaixadas o direito à inviolabilidade e estabelece que agentes do Estado só podem entrar nelas com autorização do chefe da missão diplomática.
A professora de Direito Internacional da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP),Clarisse Laupman, explica que a inviolabilidade é“praticamente total”.“Existem alguns casos, por exemplo, de diplomatas que faleceram dentro de seu apartamento funcional e que a polícia só pode entrar com a ordem específica e acompanhamento de um diplomata”.
Sendo assim, se fosse preciso cumprir um mandado de prisão contra Bolsonaro e ele ainda estivesse na embaixada da Hungria, a Polícia Federal só poderia entrar no local para prendê-lo com a autorização do chefe da missão diplomática húngara.
Contudo, não é correto afirmar que as embaixadas são território estrangeiro.“O que se tem é a reciprocidade, este é o princípio magno da diplomacia(...). E não um território internacional, muito menos um espaço extraterritorial ou país”, ressalta Laupman.
O diretor do Instituto de Relações Internacionais (IRI) da Universidade de São Paulo (USP),Pedro Dallari, reitera que ter direito à inviolabilidade é diferente de possuir soberania territorial.
“A inviolabilidade do espaço físico de missão diplomática é decorrência da vinculação voluntária do Estado ao direito internacional. Já a soberania territorial se configura nos espaços geográficos em que se dá a supremacia da ordem jurídica do Estado(...). Assim, o espaço físico de uma missão diplomática integra o território sujeito à soberania do Estado que a acolhe”.
O Estado não“perde o território”onde a embaixada está localizada, reforça o professor de Direito Internacional da Faculdade Getúlio Vargas (FGV)Thiago Amparo. Ele explica que oartigo 41da mesma Convenção determina que a missão diplomática deve seguir as leis do país em que está localizada e não interferir em assuntos internos.
“Se perdesse, todas as regras do país da embaixada se aplicariam naquele território independentemente das regras locais, e o Estado da embaixada poderia vender aquele território a outro Estado, porque dispor de um território é prerrogativa de quem tem soberania sobre ele. Esta é a diferença entre ter soberania em um território e ter a administração daquele território.”
Amparo destaca, ainda, que para ter soberania territorial é preciso ter jurisdição prescritiva (para ditar as regras), jurisdição adjudicativa (para aplicar as regras) e jurisdição executória (para executar as leis).
“Trocando em miúdos, não se pode ingressar na embaixada, mas isto não significa que as autoridades estrangeiras exerçam os três tipos de jurisdição ali”, completa Amparo.
Referências
Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas
Clarisse Laupman
Pedro Dallari
Thiago Amparo