A Justiça argentina condenou à prisão perpétua 10 ex-agente da repressão por crimes de lesa-humanidade cometidos durante a ditadura, uma causa que revelou mais de 400 casos ocorridos em três centros clandestinos de Buenos Aires, segundo o veredicto lido nesta terça-feira (26) pelo tribunal.

Durante o julgamento iniciado em 2020, no qual prestaram depoimento testemunhas e sobreviventes, considerou-se provado o sequestro, o desaparecimento forçado de perseguidos políticos, o homicídio, a tortura, o estupro, o roubo de crianças, os abortos forçados e outros crimes, segundo afirma o tribunal federal 1 de La Plata, responsável pelo processo.

A corte ordenou perícias médicas "urgentes" para decidir se suspende a prisão domiciliar à qual foi submetida a maioria dos condenados para que eles cumpram pena na prisão.

As condenações chegam dois dias depois de um novo aniversário do golpe de Estado cometido em 24 de março de 1976, e cujo regime vigorou até 1983, lembrado com marchas em todo o país e uma concentração multitudinária na Praça de Maio sob o lema "memória, verdade e justiça".

- Os 'poços' e o 'inferno' -

O julgamento expôs os fatos que ocorreram nos centros clandestinos de detenção conhecidos como Poço de Banfield, Poço de Quilmes e Brigada de Lanús, este último chamado de "inferno" pelas atrocidades que foram cometidas ali contra perseguidos políticos.

Os três funcionavam sob a supervisão do temível ex-diretor da polícia da província de Buenos Aires, Miguel Etchecolatz, também acusado na causa, mas que faleceu na prisão aos 93 anos em julho de 2022, enquanto cumpria nove condenações de prisão perpétua.

Além de Etchecolatz, mais cinco acusados morreram durante o processo e 12 receberam o veredicto.

Destes, 10 foram condenados à prisão perpétua, um a 25 anos de prisão e o restante absolvido. Os fundamentos do tribunal serão revelados em 5 de julho.

A Justiça condenou à prisão perpétua Federico Antonio Minicucci, Guillermo Matheu, Carlos Romero Pavón, Roberto Balmaceda, Gustavo Fontana, Jaime Lamont Smart, Jorge Héctor Di Pasquale, Juan Miguel Wolk, Horacio Luis Castillo e o médico policial Jorge Antonio Bergés.

Por sua vez, o ex-policial Alberto Julio Candiotti recebeu uma condenação a 25 anos de prisão e seu camarada Augusto Barré acabou absolvido.

- Julgamento e punição -

As Avós de Praça de Maio, a organização que busca netos nascidos durante o cativeiro de suas mães, foi parte do processo junto com sete netos restituídos.

O trabalho das Avós permitiu restituir a identidade de 133 netos dos 400 que a organização estima que foram raptados durante o cativeiro de suas mães.

"Estou feliz, estamos atravessando um momento difícil no país em relação à verdade e à memória, e isto é um empurrão grande para continuar demonstrando que houve um genocídio com 30.000 desaparecidos e que falta encontrar mais 300 irmãos", disse à AFP María Victoria Moyano Artigas, de 45 anos e nascida no Poço de Banfield durante o cativeiro de sua mãe.

Outro dos querelantes, Pablo Díaz, é um sobrevivente da chamada 'noite dos lápis' quando a ditadura sequestrou 10 estudantes adolescentes que lutavam por passagens estudantis. Seis permanecem desaparecidos.

"Chegou a sentença de todos os envolvidos que nos mataram, nos torturaram e nos estupraram no Poço de Banfield", declarou Díaz à AFP. "Seu julgamento e punição chegou" acrescentou.

Dos acusados, a exceção de Di Pasquale que está na prisão militar de Campo de Mayo, os demais foram julgados em prisão domiciliar, que agora está em processo de revisão.

Todos ouviram o veredicto conectados de forma remota e foram repreendidos em diversas ocasiões pelo tribunal por desligarem suas câmeras durante a leitura das condenações que se prolongou por cinco horas.

A sala do tribunal estava lotada de familiares das vítimas e de sobreviventes que prestaram depoimento na causa. Nas ruas, cerca de 300 pessoas acompanharam a leitura do veredicto por alto-falantes.

As condenações foram recebidas com emoção pelos presentes, aos gritos de "prisão comum para os genocidas, assassinos, assassinos!". Alguns levaram cartazes com fotografias das vítimas e legendas pedindo justiça.

"São 30.000, foi genocídio", dizia um dos cartazes em relação ao número de vítimas da ditadura, segundo organizações de direitos humanos, cifra que o governo do presidente de extrema direita Javier Milei questiona.

Com o veredicto de hoje, 1.184 pessoas foram condenadas no total por crimes durante a ditadura em 317 sentenças em toda a Argentina, enquanto outros 62 julgamentos seguem em andamento.

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