7 de outubro de 2023 foi o dia em que mais judeus foram mortos desde o Holocausto -  (crédito: Getty Images)

7 de outubro de 2023 foi o dia em que mais judeus foram mortos desde o Holocausto

crédito: Getty Images

Israel está a caminho de se transformar em um Estado pária se o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu mantiver as atuais políticas e a condução da guerra em Gaza, na avaliação de um ex-alto diplomata israelense.

Em entrevista à BBC News Mundo, o serviço em espanhol da BBC, o ex-embaixador Alon Pinkas, uma das principais vozes em Israel críticas à forma como a guerra tem sido conduzida, diz que sem mudanças seu país vai ficar cada vez mais isolado no mundo.

Mais de sete meses após os ataques de 7 de outubro que desencadearam a guerra em Gaza, a opinião pública a nível mundial parece ter mudado. A solidariedade inicial que Israel recebeu após o ataque do Hamas deu lugar a protestos e duras críticas, até mesmo por parte de países tradicionalmente aliados.

 

 

A reação militar na Faixa de Gaza de Israel já deixou milhares de mortos e centenas de milhares de desabrigados.

Nesta semana, o procurador-chefe do Tribunal Penal Internacional (TPI) solicitou a emissão de mandados de prisão contra Netanyahu e líderes do Hamas, por acusações de crimes de guerra e contra a humanidade.

Netanyahu classificou o pedido como um "ultraje moral de proporções históricas" e disse que Israel trava "uma guerra justa contra o Hamas, uma organização terrorista genocida que perpetrou o pior ataque ao povo judeu desde o Holocausto".

Israel nega alvejar civis palestinos indiscriminadamente na Faixa de Gaza e afirma que a escassez de alimentos no território palestino não é causada por seu cerco militar.

 

 

Netanyahu diz que os objetivos da guerra são a destruição do Hamas e o retorno de dezenas de israelenses tomados como reféns pelo grupo palestino.

Para o ex-embaixador Pinkas, é possível "entender as razões" para a guerra e até "justificar o sentimento" em Israel, mas há uma desproporcionalidade no conflito que já dura muito tempo.

"Se Israel tivesse conseguido, depois de dois, talvez três meses, destruir completamente o Hamas, enquanto tentava minimizar — nem digo conseguindo, mas pelo menos tentando minimizar de forma séria e sincera — as mortes de civis, acho que o mundo seria crítico, mas tolerante com o que aconteceu", diz ele. "A verdade é que já se passaram quase oito meses, e não há um fim à vista."

Pinkas foi chefe de gabinete de quatro ministros das Relações Exteriores israelenses, e participou dos diálogos entre Israel e Palestina que se seguiram à Cúpula para a Paz no Oriente Médio, em Camp David, no ano 2000.

Ele também foi embaixador e cônsul-geral de Israel em Nova York.

A seguir, confira os principais trechos da entrevista que ele concedeu à BBC News Mundo:

Parentes das vítimas do ataque de 7 de outubro se abraçando
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7 de outubro de 2023 foi o dia em que mais judeus foram mortos desde o Holocausto

BBC News Mundo - Israel recebeu apoio de grande parte do mundo depois que o Hamas matou 1,2 mil pessoas e sequestrou mais de 200 durante o ataque de 7 de outubro. No entanto, sete meses depois, este apoio parece ter desaparecido. Muitos veem Israel mais como agressor do que como vítima. O que aconteceu?

Alon Pinkas - Bom, aconteceram duas coisas.

A primeira foi a retaliação militar desproporcional realizada por Israel. Posso entender as razões, posso até justificar o sentimento, mas a desproporcionalidade continuou por muito tempo e, sem perceber — três ou quatro semanas depois do 7 de outubro —, o mundo foi exposto a cenas de destruição, carnificina e morte indiscriminada de civis em Gaza, que foram seguidas por uma grande incursão terrestre israelense no norte de Gaza.

E, de repente, as pessoas começaram a esquecer o que causou isso, e o que o Hamas fez em 7 de outubro. O que elas viam diariamente era a destruição israelense de Gaza. Foi isso que mudou a opinião pública.

A segunda coisa que aconteceu foi que, com o passar do tempo, as pessoas foram lembradas das condições que existiam antes mesmo de 7 de outubro — o que as pessoas consideram uma implacável ocupação israelense da Cisjordânia e um cerco a Gaza —, e as pessoas, especialmente as mais engajadas politicamente, viram isso como mais uma prova e argumento de que Israel é uma potência colonial que despreza totalmente as vidas e esperanças palestinas.

Então, você soma os dois aspectos, e obtém uma mudança significativa na opinião pública a nível mundial.

BBC News Mundo - O governo israelense discorda da ideia de que esteja travando esta guerra de forma desproporcional. Você considera esta uma guerra desproporcional?

Pinkas - Acho que poderia ter sido gerenciada de forma mais inteligente, e esta é a essência da crítica americana a Israel: embora a guerra em si seja uma guerra justa, e o uso de meios militares seja justificado, o alcance, a dimensão e a duração têm sido excessivos.

Se Israel tivesse conseguido, depois de dois, talvez três meses, destruir completamente o Hamas, enquanto tentava minimizar — nem digo conseguindo, mas pelo menos tentando minimizar de forma séria e sincera — as mortes de civis, acho que o mundo seria crítico, mas tolerante com o que aconteceu.

A verdade é que já se passaram quase oito meses, e não há um fim à vista. Então, sim, em termos de como Israel empregou a força militar, concordo com isso.

Homem caminhando com um colchão por uma rua destruída em Gaza
Getty Images
Ações de Israel em Gaza já deixaram centenas de milhares de desabrigados

BBC News Mundo - A África do Sul levou Israel à Corte Internacional de Justiça (CIJ), a Turquia suspendeu o comércio bilateral, a Assembleia Geral da ONU tem pressionado pelo reconhecimento de um Estado Palestino, há protestos em várias cidades e universidades contra Israel, e até o governo dos EUA suspendeu a entrega de algumas armas. E agora, o procurador-chefe do Tribunal Penal Internacional (TPI) solicitou a emissão de um mandado de prisão para Netanyahu e o seu ministro da Defesa, Yoav Gallant.

Israel corre o risco de se tornar um Estado pária?

Pinkas - Isso depende de Israel, depende se vai haver ou não uma mudança na política. Enquanto este governo estiver no poder, e Netanyahu for primeiro-ministro, não vejo como a política mudar.

Não acredito que a África do Sul tenha sucesso na CIJ, porque está argumentando que isso é um genocídio, e para provar isso, é preciso demonstrar que havia a intenção de cometer genocídio, e isso vai ser extraordinariamente difícil.

No entanto, se pegarmos todas as questões que você mencionou, e ligarmos todos os pontos, surge um panorama sombrio de um país que ainda não é um pária, mas que está cada vez mais isolado e marcado.

BBC News Mundo - Você disse recentemente que Israel estava se tornando um pária em câmera lenta...

Pinkas - Correto. Se as políticas persistirem, se esta trajetória política persistir, infelizmente é este o caminho que estamos seguindo.

Benjamín Netanyahu
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Segundo Pinkas, as políticas de Netanyahu estão isolando Israel

BBC News Mundo - Quais são os fatores que estão contribuindo para o isolamento de Israel?

Pinkas - Bom, a política.

O fato de Israel não ter e, na verdade, ter se recusado a apresentar uma política pós-guerra para Gaza; o fato de Israel ter dito que não iria ficar em Gaza, mas ter permanecido em Gaza; o fato de Israel não estar seguindo os conselhos dos EUA.

Você soma todas essas coisas, e vê o processo — que você chama— de se tornar um pária em câmera lenta.

BBC News Mundo - Bem, esta foi uma citação sua. Netanyahu disse que Israel vai seguir adiante com a guerra mesmo que precise fazer isso sozinho...

Pinkas - Isso é bobagem. Você não pode fazer isso sozinho. É ele sendo arrogante, mas ao mesmo tempo incapaz.

Ele sabe que não pode, e diz isso para consumo interno em Israel.

As únicas razões pelas quais ele diz isso são por razões políticas.

BBC News Mundo - Você está preocupado com os danos a longo prazo à imagem de Israel no mundo?

Pinkas - Sim, muito. Acho que o secretário de Estado americano, Antony Blinken, alertou que Israel está causando um dano geracional à sua própria reputação e marca.

Alon Pinkas
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Alon Pinkas, retratado aqui na época em que trabalhava como diplomata de Israel

BBC News Mundo - Você mencionou o futuro de Gaza. Qual é a sua opinião sobre a aparente divisão dentro do gabinete de guerra israelense sobre o futuro de Gaza? Benny Gantz, membro deste gabinete, estabeleceu um prazo para Netanyahu apresentar um plano...

Pinkas - Bom, não. Tudo o que ele pediu foi que Netanyahu elaborasse um plano. Portanto, é concebível que Netanyahu possa criar um plano que não tem intenção de executar, e que satisfaria Gantz.

Não vejo divisões reais dentro do gabinete de guerra neste momento.

BBC News Mundo - Mas o ministro da Defesa, Yoav Gallant, disse que a falta de um plano estava prejudicando Israel, e ele se opõe a um governo militar de longo prazo de Israel sobre Gaza...

Pinkas - É verdade, mas isso é para depois da guerra, e a guerra nem sequer acabou, por isso não posso dizer que isso reflete algum tipo de divisão que possa causar problemas políticos.

Poderia causar se Gantz e Gallant trabalhassem juntos e apresentassem a Netanyahu um ultimato sério. Não um discurso para o público, mas um ultimato sério: vemos o plano ou denunciamos seu blefe.

Assim, pode ser que seja útil e significativo, até então é tudo arrogância política.

BBC News Mundo - Algumas pessoas destacam as dificuldades para entrada de ajuda humanitária em Gaza como um sinal da falta de empatia de Israel em relação à população civil de Gaza. O que você diria?

Pinkas - Houve falta de empatia pela devastação e dor que Israel sofreu no dia 7 de outubro.

Foi só depois de uma grande pressão americana que Israel permitiu a entrada desta ajuda humanitária, e acho que você sabe que Israel não pode se dar ao luxo de continuar sendo visto como um país que impede a ajuda humanitária.

BBC News Mundo - O fato de que Netanyahu não parece aceitar uma Autoridade Palestina governando Gaza, a atual operação em Rafah e o fato de seu governo não parecer capaz ou não estar disposto a suspender os ataque contra palestinos na Cisjordânia, são elementos usados ??pelos críticos de Israel para dizer que Israel quer conquistar todos os territórios "do rio ao mar"…

Pinkas - Isso é bobagem. A opinião pública é contra isso, não pode ser concretizado na prática, e o que se ouve dos políticos de direita é simplesmente uma bobagem.

Isso não vai acontecer. Entendo que os críticos utilizem isso como um ponto contra Israel, mas simplesmente não vai acontecer.

Yoav Gallant e Benny Gantz
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Yoav Gallant e Benny Gantz, membros do gabinete de guerra de Israel, criticaram Netanyahu por não ter um plano para Gaza quando o conflito terminar

BBC News Mundo - Muitos especialistas e pessoas que se consideram amigos de Israel nos Estados Unidos e em outros lugares fizeram desde o início um apelo para que Israel evitasse este tipo de guerra. Eles argumentavam que isso seria entrar no jogo do Hamas. Não havia realmente alternativas à forma como Israel travou esta guerra?

Pinkas - Claro, havia muitas alternativas.

Ameaçar uma invasão, fazer isso rapidamente, e primeiro garantir um acordo para libertar os reféns. Havia várias outras maneiras de fazer isso.

Aliás, começar pelo sul, onde está Rafah, e não pelo norte, porque se o Hamas está concentrado em Rafah, por que então invadir o norte e provocar uma crise humanitária?

Havia muitas formas operacionais militares de conduzir esta guerra de maneira diferente.

BBC News Mundo - Alguns analistas dizem que esta guerra afastou ainda mais Israel e os palestinos, e que serão necessárias gerações para curar as feridas. Mas, ao mesmo tempo, há um forte impulso por parte dos Estados Unidos e de outros países a favor de uma solução de dois Estados.

Quão perto ou longe você acha que estaremos disto depois desta guerra? Será que alguma coisa disso vai tornar a solução de dois Estados mais difícil ou mais fácil?

Pinkas - Esta é uma ótima pergunta, mas é hipotética. Depende de como a guerra terminar.

À primeira vista, estamos mais distantes, mas também percebemos que o status quo não pode ser sustentado, por isso, na realidade, estamos mais próximos, mas não com estes governos.