A hostilidade entre Espanha e Argentina depois de Javier Milei ter lançado duros ataques ao presidente do Governo espanhol, Pedro Sánchez, tornou-se a pior crise diplomática do atual governante argentino, que já teve confrontos com os presidentes de Colômbia, Venezuela e México.
Nos seus quase seis meses no cargo, Milei difamou quase todos os líderes de esquerda da região. As ofensas atravessaram o Atlântico no fim de semana e escalaram.
Em uma visita à Espanha durante a qual não se encontrou nem com Sánchez nem com o rei, o líder argentino ultradireitista acusou Begoña Gómez, esposa do presidente do governo espanhol, de ser “corrupta”, sem citar diretamente seu nome.
Como resultado, a Espanha decidiu retirar “definitivamente” sua embaixadora na Argentina, enquanto Milei alimentou a crise ao chamar Sánchez, do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE), de “covarde”. “É um disparate típico de um socialista fatalmente arrogante”, disse o mandatário argentino nesta terça-feira (21) ao canal LN+ sobre a retirada da embaixadora, informando que não haverá qualquer medida de reciprocidade.
O confronto com Madri é o último e mais grave de uma saga. Em março, Milei chamou seu homólogo colombiano, Gustavo Petro, de “assassino” e “terrorista” e disse que o presidente mexicano, Andrés Manuel López Obrador, era um “ignorante”.
A verborragia do presidente argentino levou Bogotá a convocar seu embaixador para consultas.
Mas o alvo favorito de Milei e seu arqui-inimigo tem sido Nicolás Maduro, o governante venezuelano de esquerda, com quem troca regularmente insultos como “nazista” e “ditador”.
Tudo isso sem contar o que o ultradireitista declarou sobre outros líderes quando ainda era candidato, ou mesmo antes de concorrer à presidência: chamou o papa Francisco de "representante do maligno na Terra" e o presidente Luiz Inácio Lula Da Silva de "esquerdista selvagem".
Mas desde que assumiu o cargo em dezembro, o presidente “anarcocapitalista”, como ele mesmo se define, não insultou publicamente o líder do Brasil, o mais importante parceiro comercial da Argentina.
Também pediu desculpas ao papa e o abraçou efusivamente durante uma visita a Roma em fevereiro.
- Figura da direita global -
Milei encarna “o tipo de liderança típico destas ultradireitas”, disse Sergio Morresi, doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo, à AFP. “Eles tendem a privilegiar a sua agenda ideológica em detrimento de questões de interesse geopolítico”, acrescentou.
Na sua visão, o presidente argentino “repete exteriormente a estratégia que aplica a nível interno no sentido de acelerar”, sem medir as consequências.
Alejandro Rascovan, professor de Segurança Internacional na Universidade de San Martín, definiu a política externa do governo como “caótica”. “Prioriza os laços políticos e pessoais do presidente e não parece haver uma política de Estado por trás disso”, disse à AFP.
Até o momento em seu governo, Milei já viajou seis vezes para fora do país, sendo três para os Estados Unidos, seu norte geopolítico. Lá ele se encontrou duas vezes com o magnata Elon Musk, recebeu uma condecoração de uma comunidade judaica ortodoxa e conheceu o ex-presidente Donald Trump.
Tendo em conta a sua relação com as religiões judaica e católica, o mandatário também respondeu ao seu apelo espiritual com visitas a Israel e ao Vaticano.
A sua última viagem a Espanha, no fim de semana passado, foi para discursar em uma convenção do partido espanhol de extrema direita Vox, onde foi recebido como uma estrela do rock.
Segundo Roy Hora, historiador da Universidade de San Andrés, “convicções e conveniências parecem combinar” na diplomacia de Milei.
Por sua vez, Rascovan avalia que “dá a impressão de que Milei busca se posicionar como uma figura global, talvez seja seu único objetivo real, é impossível saber; mas nenhum dos esforços durante suas viagens teve, por enquanto, qualquer resultado real em investimentos" para a Argentina.
Seus críticos questionam os riscos de uma política externa que o ex-ministro das Relações Exteriores, Santiago Cafiero, descreveu como “infantil”.
Para Hora, a crise com a Espanha "parece mais um capítulo da desorientação argentina, que há uma década celebrava (o falecido presidente venezuelano de esquerda) Hugo Chávez e hoje está caminhando em uma direção completamente oposta".
"Isto marca a subordinação da política externa aos imperativos de curto prazo da política interna e realça o amadorismo dos nossos governantes e a sua falta de clareza sobre os nossos interesses a longo prazo e o nosso lugar - modesto, talvez irrelevante - no cenário internacional", considerou o especialista.
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