Quando Bassem Eido coloca os pés fora de sua casa em Sinjar, uma paisagem de escombros lhe recorda as atrocidades cometidas há uma década pelos jihadistas do grupo Estado Islâmico (EI) nesta região do norte do Iraque.
Em agosto de 2014 o EI invadiu as Montanhas Sinjar, historicamente ocupadas pela minoria yazidi no norte iraquiano, onde o grupo cometeu inúmeras atrocidades.
Embora as autoridades tenham declarado vitória desta etnia contra o grupo três anos depois, grande parte da região permanece em ruínas e poucas famílias yazidis retornaram.
"Das 80 famílias, apenas dez voltaram. Os outros dizem que ficaram sem casas, por isso não têm motivos para retornar", diz Bassem, que mora em Solagh, uma aldeia de Sinjar.
A paisagem é de desolação. Prédios desabados, canos enferrujados e ruínas invadidas pela vegetação. Alguns conseguiram reconstruir suas casas, outros estão acampados em barracas erguidas entre os escombros de suas propriedades.
"Como podemos ter paz em nossos corações? Nada nem ninguém nos fará esquecer o que aconteceu", diz o homem de 20 anos.
O EI considera os yazidis e sua religião monoteísta esotérica como "hereges". Milhares de homens desta etnia de língua curda foram massacrados, crianças foram recrutadas, e mulheres foram vendidas a jihadistas e forçadas à escravidão sexual.
Apesar dos horrores do passado, Bassem acompanhou o pai de volta à sua cidade natal. Com a ajuda de uma ONG, conseguiram restaurar sua casa, que havia sido incendiada.
A maioria dos habitantes não possui recursos para financiar as obras, explica ele, afirmando que se a região fosse reconstruída, "todos voltariam".
- Aguardando indenizações -
De acordo com um relatório da Organização Internacional para as Migrações (OIM), mais de 183 mil pessoas originárias de Sinjar seguem deslocadas.
As autoridades iraquianas prometeram liberar fundos para acelerar as indenizações às vítimas de abusos jihadistas e reconstruir Sinjar. O governo estabeleceu o prazo até 30 de julho para fechar os últimos campos de deslocados, onde ainda vivem milhares de famílias yazidis.
Aldeias inteiras "continuam devastadas e a maioria das famílias não recebeu qualquer compensação", diz Nayef Sido, um funcionário local.
"Moradias seguras e habitáveis são essenciais, mas também são necessárias infraestruturas públicas, estradas, escolas e edifícios governamentais", afirma Feermena Kheder, consultora jurídica do Conselho Norueguês para os Refugiados (NRC).
Sua ONG fornece auxílio às famílias que ainda buscam uma compensação financeira, como é o caso de Hadla Kassem, de 40 anos, que perdeu 40 membros de sua família mortos por jihadistas e teve sua casa destruída.
Hoje, para obter a indenização a que tem direito, deve enfrentar a burocracia iraquiana.
As autoridades "não encontraram todas as valas comuns, os arquivos dos mártires não foram todos processados, os que vivem nos campos não retornaram. Precisamos de uma solução", declara Kassem.
- Disputa de poder -
Nos últimos anos, diversas atores disputam o poder desta região, o que dificulta o retorno à normalidade.
No final de 2020, o governo federal de Bagdá assinou um acordo com Erbil, capital do Curdistão autônomo, na esperança de aliviar as tensões e garantir a reconstrução. Mas as tensões persistem.
O Exército iraquiano, os ex-paramilitares de Hashd al Shaabi e os combatentes yazidi filiados aos rebeldes curdos turcos do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK) estão presentes nesta região.
"Cada parte quer mais controle", reconhece um responsável de segurança sob condição de anonimato.
Em 2022, os confrontos entre o Exército e os combatentes yazidis forçaram 10 mil pessoas a deixar Sinjar e algumas foram reassentados em campos.
"Em vez de se concentrar no encerramento dos campos, o governo deveria investir na segurança e reconstrução de Sinjar", estima Sarah Sanbar, pesquisadora da Human Rights Watch (HRW).
Bagdá e Erbil disputam o poder na área, mas "ninguém está disposto a assumir a responsabilidade", denuncia.
rh/tgg/cn/bfi/meb/jvb/yr/aa