O presidente da França, Emmanuel Macron, fez um apelo, nesta segunda-feira (10), aos franceses para que optem pela "escolha correta", um dia depois de surpreender o país com a convocação de eleições legislativas antecipadas devido à vitória contundente da extrema direita nas eleições europeias.

"Tenho confiança na capacidade do povo francês de fazer a escolha correta para si e para as gerações futuras", afirmou Macron em uma mensagem publicada na rede social X. Segundo um responsável de sua aliança centrista, está previsto que o presidente francês ofereça uma entrevista coletiva nesta terça.

A França amanheceu sob o impacto de um terremoto político após a antecipação das eleições legislativas, previstas para 2027 e que acontecerão nos dias 30 de junho e 7 de julho, após a vitória do partido de extrema direita Reagrupamento Nacional (RN) com 31,37% dos votos nas europeias, um dos melhores resultados de sua história.

A vitória na França aconteceu no contexto do avanço da extrema direita em outros países da União Europeia (UE), como Alemanha, Áustria e Itália, mas a coalizão governante nas instituições comunitárias - conservadores, socialistas e liberais - conseguiu manter a maioria absoluta.

Porém, o impacto mais forte aconteceu na França. Na Alemanha, o chefe de governo Olaf Scholz descartou a convocação de eleições antecipadas, apesar do revés de sua coalizão de social-democratas, ecologistas e liberais na votação europeia.

- Macron, Nero? -

"Nunca esqueçamos os danos causados na Europa pelo nacionalismo e pelo ódio", alertou nesta segunda-feira o presidente alemão, Frank-Walter Steinmeier, durante uma cerimônia para relembrar o massacre de 643 pessoas pela Alemanha nazista em Oradour-sur-Glane, no sudoeste da França, em 1944.

Macron tentou vincular as cerimônias por ocasião do 80º aniversário do Desembarque dos Aliados na Normandia às eleições europeias e alertou, inclusive, que a Europa "pode morrer" com a guerra que a Rússia trava na Ucrânia. 

Embora seu objetivo também fosse se distanciar do RN, partido que durante muito tempo foi considerado próximo de Moscou, seus esforços foram em vão: sua candidata terminou com 14,60% dos votos.

Da Rússia, o porta-voz do presidente Vladimir Putin garantiu que ele está acompanhando "de perto" a situação na Europa e na França, apesar de a "maioria [do Parlamento Europeu] ser pró-europeia e pró-Ucrânia". 

A imprensa francesa, por sua vez, considerou a antecipação das eleições uma "aposta arriscada". "Assim como o imperador romano [Nero] incendiou a Roma antiga, Emmanuel Macron acendeu o fósforo que incendiará sua própria cidadela?", questionou o editorial do jornal liberal L’Opinion.

Milhares de pessoas se manifestaram nesta segunda nas principais cidades da França contra a perspectiva de um governo de extrema direita. "O que aconteceu ontem foi um choque", reconheceu Marie, uma aposentada de 69 anos em Rennes, no oeste.

Diante da crise política aberta, a Bolsa de Paris abriu com queda de 2,37%, que depois se limitou a 1,35% no fechamento.

- Temor olímpico -

As eleições antecipadas não devem afetar Macron, que tem mandato como presidente até 2027, mas ele poderia ser obrigado a dividir o poder com um governo de outra tendência política, no que os franceses chamam de "coabitação", pouco antes dos Jogos Olímpicos de Paris.

"Uma dissolução antes dos Jogos é muito preocupante", disse a prefeita de Paris, a socialista Anne Hidalgo, ao contrário do presidente do Comitê Olímpico Internacional (COI), Thomas Bach, que se mostrou confiante.

A antecipação das eleições dividiu o partido no poder. Alguns dos seus membros defenderam outra solução: tecer uma coalizão com o partido Os Republicanos (LR, direita), seu principal apoio parlamentar desde que perdeu a maioria em 2022.

A 20 dias do primeiro turno das eleições legislativas, os partidos estão multiplicando seus contatos.

O RN, que venceu em 93% dos municípios franceses, já anunciou que seu candidato a primeiro-ministro será o líder da lista vitoriosa nas eleições europeias, o eurodeputado Jordan Bardella, de 28 anos.

"Vamos implementar a política que os franceses desejam, mas vamos preparar nossa ascensão à Presidência" da França em 2027, assegurou a líder do RN, Marine Le Pen, à emissora TF1, reconhecendo que um governo de "coabitação" poderia "limitar" o alcance de suas políticas. 

A vitória recente confirma sua estratégia de estabelecer uma imagem mais moderada para a antiga Frente Nacional (FN) que ela herdou em 2018 de seu pai, Jean-Marie Le Pen, conhecido por seus comentários racistas e antissemitas.

A finalista nas eleições presidenciais de 2017 e 2022, que quer concorrer de novo nas de 2027, incluiu a defesa do poder aquisitivo, junto com os temas prediletos da extrema direita como a segurança e o controle da imigração.

- A incógnita da esquerda -

Para tentar ampliar seu apoio, Le Pen se reuniu com líder de lista nas eleições europeias do partido rival de extrema direita Reconquista!, sua sobrinha Marion Maréchal.

Ao contrário das eleições europeias, de turno único e com uma lista por partido a nível nacional, os franceses escolhem os 577 deputados da Assembleia Nacional em seus respectivos distritos, em um sistema majoritário uninominal e com dois turnos.

O pleito de 2022 deixou uma França dividida em três blocos: a aliança centrista de Macron, a extrema direita e a frente de esquerdas Nupes, que acabou se rompendo e deixou o RN como o principal partido de oposição.

As forças da esquerda – socialistas, ecologistas, comunistas e a esquerda radical – iniciaram hoje as difíceis discussões para reeditar uma nova aliança, que precisará resolver a tensão entre a ala social-democrata e a mais radical.

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