A Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) considerou nesta sexta-feira (14) que a Argentina é responsável por falhas na prevenção e investigação do atentado contra a Associação Mutual Israelita Argentina (AMIA) em 1994 em Buenos Aires, que deixou 85 mortos.
"A Argentina é responsável por não ter adotado medidas razoáveis para prevenir o atentado" e "não ter cumprido com seu dever de investigar com a devida diligência e dentro de um prazo razoável o atentado e seu encobrimento", afirmou a sentença da Corte IDH, com sede em San José, na Costa Rica.
Em 18 de julho de 1994, uma caminhonete-bomba explodiu o prédio da sede da Amia na capital argentina, e além dos mortos, houve mais de 300 feridos, em um atentado que até hoje permanece impune.
O Estado argentino "conhecia uma situação de risco real e imediato sobre os locais identificados com a comunidade judaica e não adotou as medidas razoáveis para evitar esse risco", segundo a resolução da Corte IDH, lida por sua presidente, Nancy Hernández.
"Quase 30 anos após o atentado, ainda não se tem clareza sobre o ocorrido, os responsáveis, nem as razões pelas quais o Estado utilizou seu aparato judicial para encobrir e obstruir a investigação", acrescentou a sentença.
"É responsável pela violação dos direitos à vida e à integridade pessoal em prejuízo das vítimas do atentado", afirmou o tribunal interamericano.
- Risco real -
A Argentina "violou sua obrigação de prevenção", mencionou a sentença, já que houve situações anteriores "que chamaram a atenção para a custódia da Amia", como o atentado perpetrado em 1992 contra a embaixada de Israel, que deixou 29 mortos.
"O terrorismo é um fenômeno que põe em perigo os direitos e liberdades das pessoas e a Convenção Americana obriga os Estados Partes a adotarem aquelas medidas que sejam adequadas, necessárias e proporcionais para prevenir esse tipo de ato", disse o tribunal.
A Argentina acusou ex-dirigentes iranianos pelo atentado, mas nunca conseguiu colocá-los no banco dos réus. As autoridades argentinas suspeitam que havia uma poderosa conexão local, mas não conseguiram identificá-la.
Em abril de 2024, a Justiça argentina determinou que os atentados à embaixada de Israel e à Amia foram ordenados pelo Irã e, dias depois, o governo pediu a prisão internacional do atual ministro do Interior do país do Oriente Médio, Ahmad Vahidi, um dos acusados pelo ataque, ordem que foi classificada como "ilegal" por Teerã.
- "Encobrimento" -
A Corte Interamericana alegou ainda que ocorreram "irregularidades" por parte do Estado no processo judicial inicial.
"Foi provado que agentes estatais (...) atuaram de forma articulada com o propósito de construir uma hipótese acusatória sem fundamento fático, o que favoreceu o encobrimento dos verdadeiros responsáveis", acrescentou.
O Ministério Público iniciou em 2015 uma investigação para revisar o processo inicial e apontou, quatro anos depois, o “encobrimento” por parte de funcionários judiciais e de governo do ex-presidente Carlos Menem (1989-99), que receberam penas leves. O procedimento, no entanto, não conseguiu determinar a razão do ocultamento.
O encobrimento consistiu em pagar ao suposto vendedor da caminhonete-bomba, Carlos Telleldín, cerca de 400.000 dólares (R$ 2,1 milhões na cotação atual) para que ele acusasse falsamente um grupo de policiais, enquanto se ordenava a libertação dos primeiros acusados.
Outra ação por encobrimento foi aberta em 2017 contra a ex-presidente Cristina Kirchner (2007-2015), por impulsionar no Congresso um acordo com o Irã para julgar os iranianos em um país neutro. O acordo nunca foi cumprido, Kirchner foi absolvida em 2021, mas o processo foi reaberto em 2023.
- Prejuízo aos familiares -
A decisão também apontou que a Argentina "violou o direito à integridade psíquica e moral em prejuízo dos familiares das vítimas".
Desde o atentado até o início da investigação, o Estado não permitiu o acesso às informações coletadas sobre o evento, e os organismos de inteligência classificaram os arquivos como "secretos".
"As falhas do Estado em seu dever de investigar, as demoras injustificadas no processo e, em geral, a falta de esclarecimento e a situação de impunidade, provocaram nos familiares das vítimas sentimentos de angústia, tristeza e frustração", afirmou o tribunal.
A Corte ordenou à Argentina, como principais medidas de reparação, remover os "obstáculos de fato" que mantêm o caso na “impunidade total”; reabrir as investigações para "individualizar, julgar e sancionar" os responsáveis; e estabelecer a verdade sobre o ocorrido.
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