Uma ativista pela paz israelense que foi levada da sua casa no dia 7 de outubro e mantida refém durante 53 dias em Gaza, disse à BBC que a provação pela qual passou destruiu sua crença de que é possível alcançar a paz entre palestinos e israelenses.

Em sua primeira entrevista no Reino Unido desde que foi libertada em novembro, Ada Sagi, de 75 anos, conversou com a jornalista Emma Barnett, do programa de rádio Today, da BBC.

Ela contou como foi mantida num apartamento sendo vigiada por pessoas pagas para isso, que o Hamas a manteve em um hospital antes da sua libertação — e que ela agora acredita que "o mundo odeia os judeus".

"Não acredito mais na paz, lamento", disse a professora de árabe e hebraico. "Eu entendo que o Hamas não quer isso."

 



 

Sagi viveu durante décadas no kibutz Nir Oz, perto da fronteira entre Israel e Gaza, tentando ajudar nos esforços de reconciliação. Ela ensinava árabe aos israelenses para que pudessem se comunicar com os vizinhos.

No outono de 2023, ela planejava ir a Londres para visitar o filho Noam e comemorar seu aniversário.

Mas os planos mudaram quando o Hamas atacou o sul de Israel, matando 1,2 mil pessoas e levando 251 reféns para Gaza — entre eles, Sagi.

A ativista, que completou 75 anos enquanto era mantida refém por aqueles que ela descreve como "terroristas do Hamas", foi finalmente libertada 53 dias depois.

Demorou seis meses para ela se sentir preparada para falar com a imprensa britânica sobre sua experiência — e dar sua opinião sobre aqueles que tiraram sua liberdade, sua casa e sua crença na paz.

Ela está ciente dos 116 reféns deixados para trás, 41 dos quais são dados como mortos por Israel. E faz um apelo ao governo israelense para aprovar um novo cessar-fogo em Gaza, e chegar a um acordo para libertação de reféns com o Hamas.

 

 

"Israel tem que fazer o acordo... trazer de volta para casa todos esses reféns que estão vivos e também mortos", diz ela.

Sagi conta que, quando foi levada para Gaza, ela e alguns outros reféns foram mantidos inicialmente na casa de uma família com crianças, mas no dia seguinte foram levados para um apartamento na cidade de Khan Younis, no sul, porque era "perigoso".

O proprietário do apartamento, lembra Sagi, disse a eles que sua esposa e filhos estavam na casa dos sogros. O homem, acrescentou ela, era enfermeiro.

Ela disse que estudantes estavam sendo pagos para vigiá-los. "Eu os ouvi dizer... 70 shekels [US$ 18,83, R$ 102] por dia."

"É muito dinheiro em Gaza porque não há trabalho. E se você tem um trabalho fora do Hamas, não passa de 20 shekels por dia", afirma.

Sagi estava entre os 105 reféns liberados em novembro em troca de um cessar-fogo de uma semana e da libertação de cerca de 240 prisioneiros palestinos de prisões israelenses.

Ela descreveu a terrível incerteza que antecedeu sua libertação no quinto dia do acordo, junto a outros nove israelenses e dois tailandeses.

"A cada batida na porta, você pensa que é alguém que vem te levar", relata.

Quando os reféns souberam que havia um acordo, e que as mulheres mais velhas seriam libertadas, ela disse que uma das mulheres que acabou sendo libertada com ela ficou "aterrorizada" por poder ser jovem demais para ser incluída na lista.

"Mas a nossa vigia disse: 'Não. Vocês vieram juntas, vocês vão juntas'", ela explicou.

Reuters
Ada Sagi e o filho Noam esperavam comemorar seu 75º aniversário em Londres antes de ela ser sequestrada pelo Hamas

No 49° dia, uma sexta-feira, Sagi conta que disseram a eles:

"Vocês vão para casa."

Mas ela não acreditou.

"Na hora do almoço, nos deram comida... nos levaram de carro até Khan Younis, e seguimos até a fronteira de Rafah [na fronteira com o Egito]."

Mas algo havia dado errado, e eles tiveram que voltar para Khan Younis.

"Fomos informados que eles estavam libertando mulheres com filhos, [e você sente] toda aquela felicidade por estar sendo libertada, e [então] algo dá errado", recorda.

Quando chegaram à cidade, diz Sagi, eles foram levados para um hospital — que ela acredita ser o principal hospital no sul de Gaza, o Nasser. E disseram a eles: "Vocês vão ficar aqui."

 

 

"As pessoas dizem que não estão envolvidas. Elas estão envolvidas... e recebendo dinheiro por cada um de nós", pontua.

O relato de vários outros reféns libertados indicam que 10 reféns no total ficaram no hospital Nasser, um deles permanece em cativeiro.

Quando solicitado pela BBC a comentar as alegações de Sagi, o diretor do hospital, Atef al-Hoot, negou que qualquer refém tenha sido mantido lá, e disse que fornecia apenas serviços humanitários.

Os militares israelenses afirmaram anteriormente que suas tropas detiveram "cerca de 200 terroristas que estavam no hospital" durante uma operação na unidade em fevereiro, e que encontraram munições, assim como medicamentos não utilizados destinados aos reféns israelenses.

O Hamas negou as alegações israelenses de que seus combatentes têm operado dentro do Nasser e de outros hospitais em Gaza.

Sagi contou que ela e os outros moradores do kibutz Nir Oz que sobreviveram aos ataques de 7 de outubro estavam vivendo agora em apartamentos na cidade de Kiryat Gat.

Ela está escrevendo um livro e trabalhando com crianças com transtorno de déficit de atenção com hiperatividade (TDAH). "Me faz sentir bem poder ajudar outras pessoas", afirma.

Ela também deseja continuar falando sobre sua provação, apesar das fortes emoções que isso suscita.

"Perdi minha casa. Perdi minha liberdade — o lugar para onde voltar. Nossa comunidade — o kibutz — está destruída", diz ela.

"Chorei muito. Não sou uma 'mulher de ferro', como todo mundo diz. Às vezes, você chora, e isso é bom. Minha mãe dizia: 'Chorar clareia a visão'."

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