O gabinete da prefeitura de Mont-Saint-Martin ainda cheira a tinta, um ano depois de ter sido saqueado durante distúrbios na França, onde o sentimento de insegurança impulsiona o voto na extrema direita.
Em 27 de junho de 2023, Nahel, de 17 anos, cometeu múltiplas infrações ao volante de um potente carro nos subúrbios de Paris, antes de ser morto a tiros por um policial durante uma abordagem de trânsito.
Um vídeo dos eventos circula nas redes sociais e incendeia a França. Os distúrbios atingem Mont-Saint-Martin, uma cidade de 10.000 habitantes no norte do país, próxima de Luxemburgo e da Bélgica.
Em cerca de duas semanas, nove prédios públicos foram incendiados ou danificados nesta cidade normalmente pacífica, incluindo uma escola e um centro para crianças autistas.
"Os distúrbios nos pareceram incompreensíveis", lembra um ano depois Patrice Marini, primeiro vice-prefeito de Mont-Saint-Martin, governada pelo comunista Serge de Carli.
Em Mont-Saint-Martin, casas individuais com jardins privativos se misturam com bairros como Val, o mais pobre, onde 4.000 pessoas vivem em casas geminadas e prédios residenciais.
Marini relaciona os distúrbios com "a pobreza e a perda de serviços públicos". Em julho, vários jovens de Val, questionados pela AFP, se identificaram principalmente com Nahel: "Poderíamos ter sido nós".
- "França caótica" -
Os distúrbios, assim como as brigas mortais entre adolescentes em cidades e vilas geralmente pacíficas, tornaram o crime um tema quente nas eleições legislativas antecipadas de 30 de junho e 7 de julho.
O presidente centrista Emmanuel Macron antecipou o pleito após a vitória da extrema direita nas eleições europeias de 9 de junho na França, o que pode se repetir nas legislativas.
"Os jovens não querem mais uma França caótica", assegura Tom Maiani, um garçom de 24 anos, que se apresenta como suplente do candidato do partido de extrema direita Reagrupamento Nacional (RN) nesta circunscrição.
Durante os distúrbios, Maiani passou todas as noites em seu carro para evitar que se tornasse um dos 70 veículos incendiados na cidade.
O jovem afirma que esse episódio "reforçou sua escolha política" pelo RN, partido que há anos coloca a insegurança no centro de sua estratégia eleitoral, juntamente com o controle da imigração.
A maioria dos indicadores de criminalidade aumentou em 2023 na França, embora o crescimento tenha "desacelerado em relação ao ano anterior", segundo uma análise do Ministério do Interior.
Os tiroteios relacionados ao tráfico de drogas, um fenômeno recente e muito divulgado, têm amedrontado muitos franceses.
Estes incidentes ocorreram principalmente em Marselha, no sudeste da França, mas se espalharam para outras áreas como Villerupt, a 20 minutos de Mont-Saint-Martin, onde deixaram cinco feridos em maio de 2023.
Frédéric Weber, ex-sindicalista e atual candidato a deputado pelo RN nesta circunscrição, relaciona o aumento da criminalidade com "a chegada maciça de imigrantes nos últimos anos".
No entanto, segundo o Ministério do Interior, estrangeiros representam apenas 17% dos envolvidos em ataques contra pessoas (agressões, estupros, assédio, homicídios...).
- "Tarde demais" -
No início de junho, uma pesquisa da emissora conservadora CNews mostrou que dois terços dos franceses associam crime e imigração.
"O agravamento da situação de segurança alimentou poderosamente a dinâmica" da extrema direita, avalia Jérôme Fourquet, diretor do instituto de pesquisas Ifop.
Saïd Lounnas, de 53 anos e proprietário de um café, vê os distúrbios como um sinal de que "os filhos assumiram o controle sobre os pais".
O candidato do RN a primeiro-ministro, Jordan Bardella, se comprometeu a modificar a lei para facilitar a expulsão de estrangeiros condenados e reduzir os auxílios sociais aos pais de jovens reincidentes.
Martine Etienne, uma deputada de esquerda que está de saída do cargo, denuncia, por sua vez, a "negligência social" e o liberalismo econômico de Macron, fatores que, em sua opinião, aumentaram as desigualdades e inflamaram os ânimos.
Etienne distribui o programa da coalizão de esquerda Nova Frente Popular em um mercado quase vazio. "É tarde demais. Na minha rua, todo mundo vota no RN", responde Jacques Bonoris, um aposentado de 84 anos.
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