Antes do debate da noite de quinta-feira (27/6), muitos americanos haviam manifestado preocupação em relação à idade e a aptidão do presidente Joe Biden para o cargo. Dizer que este debate não sanou essas preocupações pode ser um dos maiores eufemismos do ano.
O presidente entrou no debate com um simples obstáculo a superar, e vacilou. Ele estava monótono. Estava divagando. Não tinha clareza.
Mais ou menos no meio do debate, a campanha de Biden disse aos jornalistas que o presidente estava lutando contra um resfriado – uma tentativa de explicar a voz rouca. Pode ser que sim, mas também pareceu uma desculpa.
Durante 90 minutos, na maioria das vezes, Joe Biden esteve em desvantagem. Principalmente no início da noite, algumas de suas respostas foram sem sentido. Depois de perder a linha de raciocínio, ele terminou uma resposta dizendo: "Finalmente vencemos o Medicare" — uma referência estranha ao programa de saúde do governo para idosos.
A própria ex-diretora de comunicação de Biden, Kate Bedingfield, foi enfática logo após o debate:
"Não há dúvida em relação a isso, não foi um bom debate para Joe Biden", disse ela à rede americana CNN, que organizou o debate.
Ela disse que a principal missão dele era provar que tinha energia e resistência, e ele não fez isso.
À medida que o debate avançava, como um boxeador encurralado no ringue, Biden começou a desferir grandes golpes contra seu oponente na tentativa de virar o jogo. Alguns destes golpes atingiram o adversário, provocando respostas raivosas do ex-presidente Donald Trump.
No entanto, o fato de os primeiros temas levantados pelos moderadores do debate da CNN terem sido sobre as principais questões dos eleitores, como a economia e a imigração — nas quais as pesquisas mostram que os americanos confiam mais em Trump — só piorou a situação para o presidente.
"Realmente não sei o que ele disse no final dessa frase, e acho que ele também não", ironizou Trump após outra resposta de Biden. Esta fala pode ter resumido a noite.
Um Trump mais focado
O ex-presidente apresentou em grande parte um desempenho disciplinado e hábil. Ele evitou o tipo de interrupção e beligerância que minaram seu primeiro debate em 2020, e voltou a discussão para ataques ao histórico de Biden sempre que possível.
Ele fez repetidamente declarações que não eram respaldadas por fatos, assim como falou mentiras descaradas, mas Biden, em grande parte, não conseguiu aproveitar a oportunidade para encurralá-lo.
Quando o tema se voltou para o aborto, por exemplo, o ex-presidente desviou repetidamente a atenção para o que ele disse ser o extremismo democrata. E alegou, incorretamente, que os democratas apoiam o aborto após o nascimento dos bebês.
O aborto é uma questão que provou ser um ponto fraco para Trump e para os republicanos em geral desde a anulação da decisão do caso Roe x Wade — que protegia o direito constitucional ao aborto — pela Suprema Corte em 2022. Era uma oportunidade para Biden marcar pontos, mas seus ataques ficaram aquém do esperado.
"Foi uma coisa terrível o que vocês fizeram", disse o presidente.
Um lutador encurralado no ringue
Em uma aparição logo após o término do debate, a vice-presidente, Kamala Harris, reconheceu que Biden "não foi bem-sucedido no início", mas disse que ele terminou bem. Esta é uma visão demasiado otimista, mas é verdade que Biden se recuperou à medida que o debate avançava.
Em uma fala memorável, Biden mencionou a condenação de Trump pelas acusações derivadas da suposta relação sexual com atriz pornô Stormy Daniels, e disse que o ex-presidente tinha "a moral de um gato de rua".
"Eu não fiz sexo com uma estrela pornô", retrucou Trump.
Trump também pareceu estar na defensiva ao falar sobre sua resposta ao ataque de 6 de janeiro ao Capitólio dos EUA. Ele inicialmente tentou transformar a pergunta sobre sua responsabilidade pela invasão do Capitólio em uma condenação do histórico de Biden, mas desta vez o presidente não poupou o adversário.
"Ele encorajou essas pessoas a irem ao Capitólio. Ele ficou sentado lá por três horas, enquanto seus assessores imploravam para que ele fizesse alguma coisa", disse Biden.
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"Não fez absolutamente nada."
O ex-presidente também se esquivou repetidamente quando a questão era se ele aceitaria o resultado das eleições de 2024.
O que acontece agora?
Este foi o debate mais adiantado da história moderna dos EUA, em parte porque a equipe de Biden queria que fosse assim. Uma das razões é que eles tentaram mudar o foco para Trump no início da campanha, na esperança de que os eleitores americanos se lembrassem da natureza caótica da sua gestão.
Mas mais gente vai falar sobre o desempenho de Biden após este debate do que sobre o do ex-presidente.
Outra razão pela qual a equipe de Biden pode ter desejado um debate antecipado é que isso daria ao seu candidato mais tempo para se recuperar de um desempenho fraco. No fim das contas, pode ser isso que vai servir de consolo para eles depois da noite de quinta-feira.
A convenção partidária dos democratas está marcada para agosto, quando eles vão poder oferecer uma visão mais roteirizada de um segundo mandato de Biden para os americanos. E há outro debate agendado para setembro, que — se acontecer — vai estar mais fresco na cabeça dos eleitores quando forem às urnas em novembro.
Mas muitos democratas podem estar se perguntando se uma segunda oportunidade de enfrentar Trump na arena de debate pode resultar em algo diferente para Biden. E alguns, neste momento, podem estar pensando até em como podem conseguir um candidato presidencial diferente.
A campanha de Biden tem quase dois meses para apaziguar os ânimos. Seria necessária uma revolta aberta para os democratas abandonarem seu candidato — que conquistou confortavelmente delegados suficientes nas primárias para garantir a nomeação do partido. Pelo menos até agora, nenhum representante democrata proeminente se rebelou publicamente, embora alguns tenham supostamente dado o alerta em conversas com jornalistas sob condição de anonimato.
Quando questionado pela BBC sobre a possibilidade de abrir a convenção para outros candidatos ou substituir o presidente, seu vice-coordenador de campanha, Quentin Fulks, disse que "esta pergunta não é digna de resposta".
"O presidente Biden vai ser o candidato democrata, e o presidente Biden vai vencer esta eleição", acrescentou.
Se a campanha de Biden conseguir unir forças nos próximos dias, a primeira afirmação pode ser verdadeira. O próprio Trump provou que os políticos podem enfrentar adversidades assustadoras e seguir em frente.
No entanto, depois do debate da noite de quinta-feira, muitos democratas podem ter sérias dúvidas sobre suas perspectivas para novembro.
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