O Congresso peruano aprovou, nesta quinta-feira (4), um projeto de lei para prescrever os crimes de lesa humanidade cometidos antes de 2002, medida que beneficia o ex-presidente Alberto Fujimori e 600 militares processados, apesar da objeção da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

A iniciativa, que agora segue para sanção presidencial, busca encerrar os processos por supostos crimes de guerra cometidos durante o conflito interno ou "guerra contra o terrorismo" - segundo as autoridades - que resultou em mais de 69.000 mortos e 21.000 desaparecidos entre 1980 e 2000.

A Comissão Permanente do Congresso, que atua em substituição ao plenário durante o recesso parlamentar, apoiou a proposta com 15 votos a favor e 12 contra.

"O texto do projeto de lei sobre crimes de lesa humanidade foi aprovado em segunda votação", disse o presidente do Congresso, Alejandro Soto, após a votação.

Impulsionada pela maioria de direita que controla o parlamento unicameral, a norma permitirá a prescrição automática de cerca de 600 casos de supostos crimes de guerra investigados há mais de três décadas, conforme anunciado pelo Ministério Público.

A presidente peruana, a conservadora Dina Boluarte, tem até 10 dias para promulgar ou devolver o projeto de lei ao Congresso.

- Fujimori, beneficiário em potencial -

O Peru reconhece a jurisdição do Tribunal Penal Internacional, que foi autorizado a intervir nos crimes de guerra e lesa humanidade mais graves cometidos após 2002, quando entrou em vigor no país o Estatuto de Roma.

Esta semana, a Corte Interamericana pediu ao Estado peruano que se abstivesse de promulgar o "projeto de lei que dispõe sobre a prescrição dos crimes de lesa humanidade perpetrados no Peru".

Ao rejeitar essa declaração, o governo de Boluarte afirmou que não se pode "impedir que os poderes do Estado peruano exerçam suas funções constitucionais".

Segundo os promotores, 36 militares detidos recuperariam sua liberdade se a lei fosse promulgada. No entanto, a decisão final caberá aos juízes.

O projeto gerou a rejeição da Corte IDH devido ao perigo de deixar impunes execuções extrajudiciais e desaparecimentos forçados perpetrados pelas forças do Estado, que marcaram as décadas de 1980 e 1990.

A Corte IDH solicitou ao Peru um relatório antes de 9 de agosto sobre os casos de lesa humanidade julgados por aquele tribunal, como os de Barrios Altos e La Cantuta.

No caso dessas execuções, que remontam a 1991 e 1992, está envolvido o ex-presidente Fujimori (1990-2000), que poderia ser beneficiado pelo projeto em tramitação.

O ex-presidente de 85 anos cumpria uma pena de 25 anos de prisão por dois massacres de civis perpetrados pelo Exército, quando foi libertado em 7 de dezembro de 2023 sob um indulto humanitário, apesar da rejeição da justiça interamericana. Fujimori ficou preso por 16 anos.

Seu advogado, Elio Riera, já anunciou que o ex-presidente se beneficiará da lei em tramitação para o 'caso Pativilca', no qual é acusado de ser o mentor das mortes, em 1992 pelas mãos de militares, de seis camponeses suspeitos de terem vínculos com a guerrilha.

- "Cancelar julgamentos, libertar condenados" -

Os autores da lei estimam que caducaram crimes atribuídos a militares aposentados, como tortura, homicídio e desaparecimento forçado, ocorridos durante a guerra contra a guerrilha do Sendero Luminoso e o Movimento Revolucionário Túpac Amaru (MRTA).  

Esses delitos expiraram após 20 anos. 

“O objetivo da lei é interromper os julgamentos e libertar os condenados”, disse à AFP o deputado Fernando Rospigliosi, um dos autores e membro do partido Força Popular Fujimori. 

“Há casos em que (o sistema de justiça) aplicou ilegalmente o crime contra a humanidade para justificar a pena com base em crimes prescritos, como desaparecimentos”, acrescentou. 

O julgamento mais recente terminou em agosto, quando o tribunal condenou 18 militares aposentados a penas entre 8 e 15 anos de prisão pelo massacre de 39 camponeses em 1988 em Cayara, Ayacucho.  

Segundo a Comissão da Verdade e Reconciliação (CVR, 2003), no conflito armado que o Peru viveu entre 1980 e 2000, morreram cerca de 69.000 pessoas, a maioria delas agricultores pobres na região dos Andes. 

A CVR responsabilizou o Sendero Luminoso por ser o principal autor de violações dos direitos humanos, mas também acusou as forças de segurança que combateram aquela organização de cometerem crimes contra a humanidade. 

Relatórios do Comitê Internacional da Cruz Vermelha e do Ministério Público estimam que 21 mil pessoas desapareceram durante esse período de guerra no Peru.

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