O Mercosul realizou nesta segunda-feira (8) em Assunção uma cúpula marcada pela ausência do presidente argentino, Javier Milei, o que despertou críticas de seus colegas em um momento em que o bloco está estagnado pela falta de avanços em direção a um acordo com a União Europeia.
Os presidentes presentes na 64ª cúpula do Mercosul – Luiz Inácio Lula da Silva, o uruguaio Luis Lacalle Pou, o boliviano Luis Arce e o anfitrião paraguaio, Santiago Peña - lamentaram a falta de integração do bloco regional e a tendência de ser prejudicado por diferenças ideológicas.
"Se o Mercosul é tão importante, todos os presidentes deveriam estar aqui. Eu dou importância ao Mercosul. E se realmente acreditamos neste bloco, todos deveríamos estar", disse Lacalle Pou.
Lacalle Pou referia-se a Milei, um economista ultraliberal que está implementando uma profunda reforma do Estado na Argentina, e que faltou à cúpula depois de trocar acusações com Lula, chamando-o de "esquerdinha com ego inflado".
"Aqueles que conhecem a América Latina reconhecem o valor do Estado como promotor e planejador do desenvolvimento", afirmou Lula em seu discurso, fazendo alusão às reformas do presidente argentino, que afirmou gostar de "destruir o Estado por dentro, como uma toupeira".
"Não faz sentido recorrer a nacionalismos arcaicos e isolacionistas. Também não se justifica reviver experimentos ultraliberais que exacerbaram as desigualdades", continuou Lula, dizendo que nunca antes o Mercosul enfrentou tantos desafios, regionais e globais.
O presidente paraguaio concordou em declarações à imprensa. "O Mercosul avançou muito na década de 1990, mas nos anos 2000 (...) houve uma mudança na tendência com um viés ideológico que desintegrou o bloco", afirmou Peña. "Estamos um pouco cansados da integração."
"Não precisamos concordar, mas devemos poder ouvir opiniões diferentes. Espero que como grupo alcancemos essa maturidade", disse a chanceler argentina, Diana Mondino, que representou Milei.
- Mais flexibilidade -
Mondino criticou o "excesso de regulamentações" do bloco regional, que em vez de proteger contra outros mercados, acabou limitando as próprias exportações dos países membros.
"O Mercosul deixou de ser uma válvula de escape para se tornar um espartilho que nos imobiliza", afirmou Mondino ao defender o "fim das barreiras tarifárias" e deixar de ser um bloco "pequeno, protegido, medroso", posição oposta à tendência tradicionalmente protecionista da Argentina.
A flexibilidade - permitir que os membros do bloco negociem acordos com terceiros sem o consentimento dos parceiros - é uma antiga demanda do Uruguai, que agora assume a presidência semestral do Mercosul e se dedicará a impulsionar um acordo com a China.
A missão é difícil porque o Paraguai não tem relações com o gigante asiático, já que reconhece Taiwan como a República da China, algo que Pequim não tolera.
"Nós não estamos fechados para negociar como bloco, mas não estamos dispostos a abrir mão de uma relação de negociação de mais de 66 anos com a República da China", explicou Peña ao ser questionado se aprovaria um Tratado de Livre Comércio com Pequim.
Em tom mais otimista, Lula e seus colegas destacaram um acordo recente bem-sucedido com Cingapura, que quebrou mais de uma década de estagnação ao ser assinado em dezembro, e o lançamento na semana passada de negociações com os Emirados Árabes Unidos.
- Acordo travado com a UE -
A reunião ocorre também em meio ao impasse nas negociações para um acordo de livre comércio com a União Europeia (UE), que está sendo negociado há mais de 20 anos e prevê a eliminação da maioria das tarifas entre os dois blocos, criando um espaço comercial com mais de 700 milhões de consumidores.
Para Lula, o acordo com a UE ainda não foi alcançado "simplesmente porque eles não conseguiram resolver suas contradições internas".
O acordo enfrenta resistência de alguns países europeus, principalmente da França, cujo setor agropecuário teme a concorrência dos produtos agrícolas sul-americanos.
"Acredito que a ideologia está prejudicando a união entre o Mercosul e a UE", disse Lacalle Pou.
Nesta cúpula, o boliviano Luis Arce formaliza o ingresso de seu país ao bloco após a lei de adesão ter sido publicada na sexta-feira, dias após sufocar o que chamou de tentativa de golpe de Estado em La Paz.
Os países do Mercosul condenaram o episódio, exceto a Argentina, que o considerou uma "fraude". Mondino disse após as declarações de seus colegas: "Nenhum golpe de Estado ou ataque à democracia é aceitável".
Fundado em 1991, o Mercosul é o principal receptor de investimentos estrangeiros na América do Sul e tem um PIB de 2,86 trilhões de dólares (R$ 15,6 trilhões).
lm/mr/jb/am