Fernando Dayán Jorge Enríquez está doente. O canoísta se sente fraco, cansado, mas acordou cedo para treinar em um canal de Cape Coral (Flórida), porque não pode perder tempo. Em breve ele competirá nos Jogos Olímpicos de Paris na equipe de refugiados, dois anos após deixar Cuba.

Vencedor da medalha de ouro na prova de canoagem de velocidade C2 1000 m em Tóquio-2020 junto com seu companheiro Serguey Torres Madrigal, ele tinha apenas 22 anos ao concretizar um sonho no esporte que começou a praticar aos 11 com seu pai, na cidade de Cienfuegos.

Mas ao retornar à ilha, atingida por uma grave crise econômica, passou a reconsiderar seu futuro.

"Tivemos seis meses de férias e vivi como todos os cubanos, não estava mais na bolha do esporte", recorda. "Além disso, queriam me levar a participar da farsa do governo e eu não quis. Por isso desertei", contou. 

Ele então aproveitou um período de treinamento na Cidade do México em março de 2022 para fugir para os Estados Unidos, onde encontraria sua esposa.

Foram 15 dias tentando passar despercebido ao lado de um acompanhante cuja identidade não foi revelada. "Tentamos não deixar ninguém saber quem éramos porque poderiam nos sequestrar e ganhar dinheiro", diz ele.

Seu último obstáculo foi a travessia do Rio Grande, na qual salvou a vida de uma mulher que estava exausta no meio do rio.

Ele entrou nos Estados Unidos salvando uma vida, mas seus primeiros dias foram semelhantes aos de inúmeros migrantes que tentam entrar ilegalmente no país.

Fernando Jorge foi detido por duas semanas antes de ser liberado, enquanto esperava que as autoridades examinassem seu pedido de asilo. 

Em seguida, encontrou com a esposa em Miami (Flórida), onde passaria por meses difíceis.

"Eu levantava às 4h para treinar, ia trabalhar oito horas, voltava para casa e treinava de novo", diz ele sobre a rotina de trabalhos em manutenção e como encanador em conjunto com os treinos. "Foi muito difícil manter a cabeça erguida", completou.

- Destino olímpico –

Em uma manhã de julho, o atleta treinou em um dos muitos canais de Cape Coral, no oeste da Flórida. Vários vizinhos penduraram bandeiras olímpicas nos cais de suas residências para incentivá-lo.

O treino aconteceu sob o olhar de seu treinador, o cubano Alain Nogueras, que o seguia em uma lancha. 

Para ambos, o sonho de Paris-2024 parecia distante há poucos meses. Eles se conheceram em uma festa de família em Miami no mesmo dia Nogueras se ofereceu para ajudar o atleta. 

Assim começou uma parceria de sucesso que o levou a ser campeão da Flórida e dos Estados Unidos, e a faturar o bronze na Copa do Mundo. 

Já com o status de asilo aprovado pelas autoridades americanas, e após um ano de espera, Fernando Jorge recebeu uma carta na qual o Comitê Olímpico Internacional (COI) aceitava sua inscrição para competir na equipe de refugiados. 

"Eu explodi de alegria. Representarei essa bandeira com muito orgulho", disse ele.

Esta equipe, que já participou nos Jogos  Rio-2016 e Tóquio-2020, contará com 36 atletas de 11 países em Paris, incluindo outro cubano, o levantador de peso Ramiro Mora.  

Com a bolsa de US$ 1.500 (R$ 8.207 na cotação atual) concedida pelo COI e a ajuda de vários amigos, Fernando Jorge agora se dedica apenas aos treinos e sonha com uma medalha em Paris, desta vez na prova individual. 

Segundo ele, gostaria de competir nos Jogos de Los Angeles em 2028 pela seleção dos Estados Unidos. 

"Não tenho barreiras na cabeça, principalmente com todas as coisas que vivi desde que cheguei aqui", afirma.

gma/ma/yr/fp