Humilde proprietário de uma barraca de comida, Dem Mech contempla a paisagem do quintal da casa que divide com oito familiares. Em breve a sua casa poderá desaparecer devido à construção de um macrocanal no Camboja. 

Mech é um dos milhares de cambojanos que poderão ser desabrigados das suas casas por causa desta infraestrutura de 180 quilômetros de extensão, que ligará o rio Mekong ao Golfo da Tailândia. 

Com um custo estimado em 1,7 bilhão de dólares (9,2 bilhões de reais), o canal Funan Techo é um projeto fundamental para o governo cambojano, que promete enormes lucros econômicos e a criação de milhares de empregos em um dos países mais pobres do sudeste asiático. 

"Não vou confrontar o governo, mas o que quero é uma indenização decente", diz Mech, de 57 anos. "Não temos nenhuma informação oficial. Só ouvimos falar nas redes sociais", lamenta. 

O projeto oferecerá uma alternativa aos navios de carga, que atualmente seguem o curso do Mekong até sua foz no Vietnã, e desta forma permitirá que os lucros do transporte permaneçam no país. 

O governo também planeja criar zonas econômicas ao longo do canal que, segundo suas previsões, criarão dezenas de milhares de empregos.

Mas estas promessas não confortam Mech. 

"Se a indenização for pequena, sairei com lágrimas" nos olhos, admite. "Não há nada que possamos fazer a não ser chorar. Nós, os moradores, não podemos nos levantar contra eles", continua. 

A mesma sensação perdura ao longo do percurso do canal, onde o trabalho das máquinas escavadoras já faz as casas circundantes tremerem. 

Muitos dos que falaram com a AFP pediram para não serem identificados por medo de represálias das autoridades.

- Uma "indenização justa" -

A casa de Lim Tong Eng tem vista para um canal do Mekong que está sendo ampliado como parte do projeto. 

O governo planejou uma cerimônia para 5 de agosto na margem oposta do canal para celebrar o início do projeto e pediu aos templos da região que tocassem os seus sinos. 

Mas o agricultor aposentado de 74 anos não comparecerá. Com as obras já em andamento, ele ainda não sabe quando terá que sair de casa nem quanto receberá de indenização. 

"Desde quando era jovem até agora, isso foi tudo que adquiri. E agora acabou", diz à AFP. 

O vice-primeiro-ministro do Camboja, Sun Chanthol, garantiu que "as vozes da comunidade serão ouvidas e o seu bem-estar será priorizado" e prometeu "um plano participativo e uma indenização justa".

Mas grupos de ativistas alertam que os projetos de infraestruturas no país normalmente deixam as pessoas afetadas pelas expropriações desamparadas e com indenizações mínimas. 

Embora possam recorrer aos tribunais, "a probabilidade de vitória é mínima", afirma Am Sam Ath, diretor de operações do grupo de defesa dos direitos LICADHO. 

O canal conta com o apoio de pelo menos parte da população e diversos analistas o veem como o símbolo da unificação nacional.

Os ativistas ambientais também estão preocupados com as suas consequências para o fluxo do Mekong, de onde provém 25% da pesca mundial em rio e em torno do qual é produzido 50% do arroz do Vietnã. 

Outras incógnitas cercam o projeto, como se o seu objetivo principal será o transporte de mercadorias ou o desvio de água para irrigação ou quem o financiará e, portanto, colherá os seus lucros.

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