O som das panelas ecoa incessante dos edifícios nas ruas de Caracas em sinal de descontentamento pelos resultados das eleições, nas quais Nicolás Maduro obteve uma vitória que a oposição tacha de fraude.

"Isto é pelo descontentamento", disse à AFP uma moradora que pediu anonimato por temor a represálias. "Demoraram até quase uma da madrugada para dar resultados de mentira", acrescentou, com lágrimas nos olhos.

Em suas mãos, ela segurava uma buzina com as cores amarelo, azul e vermelho da bandeira da Venezuela.

"Isso me deixou muito desamparada, saí para gritar", contou, sobre a reação que teve após ouvir o anúncio do Conselho Nacional Eleitoral (CNE), que deu a Maduro 51% dos votos, contra 44% de Edmundo González, candidato da principal coalizão opositora da Venezuela.

"Agora estamos avaliando, será que vou embora? Será que fico? O último que apague a luz", confessou.

No centro de Caracas, alguns comerciantes preferiram manter seus negócios fechados. "Minha família ficou chorando em casa", descreveu o dono de uma venda de comida rápida com a grade de segurança do local aberta pela metade.

No poder desde 2013, Maduro, que rapidamente foi proclamado vencedor nesta segunda-feira (29) pelo CNE, de linha governista, poderá permanecer 18 anos na presidência, até 2031. Só o ditador Juan Vicente Gómez terá governado mais do que ele, 27 anos (1908-1935).

Da janela de seu apartamento, um jovem expressava seu mal-estar: "Onde estão os 5 milhões comemorando por Maduro?", perguntou.

"Fomos roubados", gritou um motociclista ao passar, enquanto outros buzinavam em apoio ao pequeno grupo que fazia um panelaço na calçada. "Eles estão nos matando de fome, estou arrasada", comentou, por sua vez, María, uma aposentada de 78 anos.

- 'Decepcionados' -

Por medo dos coletivos, como são conhecidos na Venezuela os grupos de choque pró-governo acusados de reprimir protestos antigovernamentais, a maioria optou por protestar das varandas de suas casas. 

Jenny Gil, de 56 anos, foi uma das poucas que se atreveram a sair de casa e bater panela em uma avenida de La Candelaria, no coração de Caracas. 

"Estamos decepcionados com Maduro, Edmundo ganhou porque estive presente na votação no colégio Andrés Eloy e contamos voto por voto, e ele ganhou, tenho as evidências de que ele ganhou", contou ela à AFP. 

A oposição venezuelana, que se autoproclamou vitoriosa com 70% dos votos contra 30% para Maduro, denuncia fraude. 

"Foram violadas todas as normas", disse Edmundo González, representante da carismática e popular líder opositora María Corina Machado, impedida de concorrer devido a uma inabilitação política. 

Junto de Jenny também protestava Janeth Carabaño, de 49 anos, que retornou do Equador há dois meses com a esperança de uma mudança de governo. 

"Passei cinco anos fora do país e vim para votar, e não é possível que roubem o meu voto assim tão descaradamente, isso é uma injustiça", contou, ao som metálico de um panelaço. 

Perto dali, um grupo de jovens subiu em um poste de iluminação pública para retirar um dos muitos de cartazes com o rosto de Maduro que cobrem as ruas de Caracas. 

"Quando ouvi os resultados, comecei a chorar, indignada, e disse 'amanhã vou embora', porque isso não pode continuar assim, já chega!", afirmou Carabaño, que diz protestar por um futuro melhor para seus dois filhos e neto. 

Aqueles que saíram às ruas sofreram ameaças.  

"Passou um cara e fez um sinal no pescoço para nos avisar que vamos morrer", contou Jenny Gil. 

mbj/jt/mar/rpr/mvv