A decisão do chefe de Estado argentino, Javier Milei, de faltar à reunião do Mercosul nesta segunda-feira (8) foi "uma bobagem", disse o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ao término do encontro do bloco regional em Assunção, no Paraguai, que está paralisado pelo impasse envolvendo um acordo com a União Europeia.
"É uma bobagem mesmo o presidente de um país importante como a Argentina não participar do Mercosul", disse Lula a jornalistas após o encontro.
"A ausência de um presidente não atrapalha se o país está presente", afirmou o presidente brasileiro. "O que interessa é que o povo argentino participará do Mercosul", acrescentou.
Os presidentes dos outros dois países fundadores do bloco - o uruguaio Luis Lacalle Pou e o anfitrião, o paraguaio Santiago Peña - também lamentaram a falta de integração do Mercosul e sua tendência de ficar prejudicado por diferenças ideológicas.
"Se o Mercosul é tão importante, todos os presidentes deveriam estar aqui. Eu dou importância ao Mercosul. E, se realmente acreditamos neste bloco, deveríamos estar todos presentes", criticou Lacalle Pou.
Com suas palavras, o líder uruguaio se referia a Milei, o economista ultraliberal que realiza uma profunda reforma do Estado na Argentina e que faltou ao encontro depois de um troca de ofensas com Lula, a quem tachou de "corrupto" e "comunista" com o "ego inflamado".
Por sua vez, o presidente paraguaio comentou que o bloco sofria de "fadiga de integração". "Avançou muito na década de 1990, mas, nos anos 2000, [...] houve uma mudança na tendência com um viés ideológico que fez o bloco se desintegrar", disse.
Representando Milei, a chanceler argentina Diana Mondino afirmou em seu discurso: "Não temos por que estar de acordo, mas sim temos que poder ouvir opiniões diferentes. Espero que alcancemos como grupo essa maturidade".
- Mais flexibilidade -
Mondino criticou o "excesso de regulamentações" do bloco regional, com as quais, ao invés de se defenderem de outros mercados, os países-membros acabaram limitando suas próprias exportações.
"O Mercosul deixou de ser uma válvula de escape para se transformar em um colete que nos imobiliza", sustentou, ao defender o "fim das barreiras tarifárias", uma posição oposta ao tradicional protecionismo da Argentina.
A flexibilidade - que permitiria acordos com terceiros países sem a anuência de seus parceiros -, é uma velha reivindicação do Uruguai, que assumiu a presidência semestral do grupo prometendo impulsionar um acordo com a China.
A missão é difícil: o Paraguai carece de relações com o país asiático pois reconhece Taiwan, algo que Pequim não tolera.
"Não estamos fechados à negociação como bloco, mas não estamos dispostos a renunciar a uma negociação de mais de 66 anos com a República da China [Taiwan]", explicou Peña ao ser questionado se aprovaria um tratado de livre-comércio com Pequim.
- Acordo estagnado com UE -
O encontro acontece em meio à paralisação das tratativas para um acordo de livre-comércio com a União Europeia (UE), negociado há mais de 20 anos e que prevê eliminar a maioria das tarifas entre os dois blocos, o que criaria um espaço comercial de mais de 700 milhões de consumidores.
Para Lula, o acordo com a UE não foi atingido "somente porque os europeus ainda não conseguiram resolver suas próprias contradições internas".
O acordo enfrenta resistência de alguns países europeus, principalmente a França, cujo setor agropecuário teme a concorrência dos produtos agrícolas sul-americanos.
Em uma nota mais otimista, os presidentes destacaram um acordo recente com Singapura, que rompeu mais de uma década de letargia ao ser assinado em dezembro, e o lançamento na semana passada de negociações com os Emirados Árabes Unidos.
Durante a 64ª cúpula do Mercosul, o presidente da Bolívia, Luis Arce, formalizou a entrada de seu país no bloco. A lei de adesão foi promulgada dias depois de o país andino sufocar uma tentativa de golpe de Estado em La Paz, um episódio que foi condenado pelos demais países do Mercosul, exceto a Argentina, que o considerou uma "fraude".
Além disso, o novo presidente do Panamá, José Raúl Mulino, que participou como convidado, anunciou que buscará fazer parte do bloco como país-associado, juntando-se a outros seis países da região.
A Venezuela é membro pleno, mas foi suspensa em 2017 devido à "ruptura da ordem democrática". Nesse sentido, Lacalle Pou pediu a realização de "eleições livres" em 28 de julho, quando o presidente Nicolás Maduro tentará um terceiro mandato que o projeta para 18 anos no poder.
Fundado em 1991, o Mercosul é o principal destino de investimentos estrangeiros na América do Sul e tem um PIB de 2,86 trilhões de dólares (R$ 15,6 trilhões).
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