Com a tentativa de assassinato de Donald Trump em um comício na Pensilvânia no sábado (13/1), os EUA tiveram um novo episódio de violência em um ambiente político altamente polarizado.

Trump sobreviveu, mas uma pessoa morreu e outros presentes no comício ficaram feridos. O atirador foi morto.

A editora do site The Conversation, Naomi Schalit, entrevistou o cientista político Arie Perliger, da Universidade de Massachusetts Lowell, que falou sobre violência política e assassinatos.

Dada a forte polarização americana, Perliger disse que "não surpreende que as pessoas recorram à violência".

Naomi Schalit: Quando você ouviu a notícia, qual foi a primeira coisa que lhe ocorreu?

 



 

Arie Perliger: A primeira coisa que me ocorreu é que estivemos basicamente a um centímetro de uma possível guerra civil. Eu acho que se de fato Donald Trump tivesse sofrido ferimentos fatais, o nível de violência que testemunhamos até agora não seria nada comparado com o que veríamos nos próximos meses. Isso teria desencadeado um novo nível de raiva, frustração, ressentimento, hostilidade que não vemos há muitos e muitos anos nos EUA.

A tentativa de assassinato, pelo menos nesse estágio inicial, pode validar um sentimento forte entre muitos apoiadores de Trump e muitas pessoas na extrema direita de que eles estão sendo deslegitimizados, de que estão na defensiva e que há esforços para basicamente impedi-los de competir no processo político e impedir Trump de retornar à Casa Branca.

O que vimos, para muitos na extrema direita, fecha perfeitamente com uma narrativa que eles já vinham construindo e disseminando nos últimos meses.

Schalit: Tentativas de assassinato não são apenas para se matar uma pessoa. Elas têm um objetivo maior, certo?

 

 

Perliger: Em muitas formas, tentativas de assassinato ignoram o longo processo de se tentar rebaixar e derrotar rivais políticos, quando há um sentimento de que nem uma briga política longa será suficiente. Muitos vêem assassinatos como uma forma muito rápida e eficiente que não exige muitos recursos ou organização.

Se estivermos tentando fazer relação com o que vimos hoje, acho que muitas pessoas enxergam Trump como um "unicórnio", como uma entidade singular, que de certa forma representa todo o movimento conservador. Então ao se removê-lo, haveria uma sensação de que isso poderia resolver o problema.

Eu acho que o movimento conservador mudou dramaticamente desde 2016, quando Trump foi eleito inicialmente, e muitas das características do Trumpismo são razoavelmente populares em diferentes partes do movimento conservador.

Então mesmo que Trump decida se aposentar em algum momento, eu não acho que o Trumpismo — como um conjunto de ideias populistas — vai desaparecer do Partido Republicano.

Mas eu consigo definitivamente entender por que as pessoas que enxergam isso como ameaça sentirão que se livrar de Trump poderia resolver todos os problemas.

DAVID MAXWELL/EPA-EFE/REX/Shutterstock
Cientista político acredita que ideias de Trump não desapareceriam mesmo com a ausência de Trump

Schalit: Em um estudo sobre causas e impactos de assassinatos políticos, você escreveu que a não ser que processos eleitorais consigam lidar com "as indignações políticas mais intensas [...] a competição eleitoral tem o potencia de instigar mais violência, incluindo a tentativa de assassinatos de figuras políticas". É isso que você viu nesse caso agora?

 

 

Perliger: A democracia não consegue funcionar se os partidos diferentes, os movimentos diferentes, não estiverem dispostos a trabalharem juntos em alguns temas. A democracia funciona quando múltiplos grupos estão dispostos a chegar a algum consenso através de negociações, a colaborar ou cooperar.

O que vimos nos últimos 17 anos, basicamente desde 2008 e a ascensão do movimento Tea Party, é que houve aumento da polarização nos EUA. E a pior parte dessa polarização é que o sistema político americano ficou disfuncional no sentido de que estamos expulsando quaisquer políticos interessados em colaborar com o outro lado. Esse é um problema. O segundo é que as pessoas tiram legitimidade dos líderes que querem colaborar com o outro lado, e as apresentam como indivíduos que traíram seus valores e partido políticos.

A terceira parte é que as pessoas estão tirando a legitimidade dos seus rivais políticos. Eles transformaram desavenças políticas em guerra, onde não há espaço para as pessoas trabalharem juntas para lidar com desafios que todos concordam que afetam o país.

Quando você combina essas três dinâmicas, você cria basicamente um sistema disfuncional em que ambos os lados estão convencidos de que existe um jogo de soma zero — de que é o fim do país. É o fim da democracia, se o outro lado vencer.

Se ambos os lados ficam insistindo com as pessoas repetidamente que perder uma eleição é o fim do mundo, não é de se surpreender que as pessoas acabem dispostas a fazer justiça com as próprias mãos, recorrendo à violência.

* Arie Perliger é diretor de Estudos de Segurança e professor de Criminologia e Estudos de Justiça na UMass Lowell.

Este artigo foi publicado originalmente no site de notícias acadêmicas The Conversation e republicado sob licença Creative Commons. Leia aqui a versão original em inglês.

compartilhe