"Ai, meu pai". Os filhos de Víctor Bustos, um dos pelo menos 12 civis mortos após protestarem contra a questionada reeleição do presidente Nicolás Maduro, choram inconsoláveis, enquanto abraçam o caixão disposto na sala de sua casa humilde.

"Tiraram sua vida injustamente, não era uma pessoa ruim, nenhum malandro, ele só saiu...", soluça Jennifer Ibarra, prima de Víctor, sem conseguir completar a frase.

Francisco Bueno, também primo deste trabalhador de 35 anos que caiu ao ser baleado, comenta que sua morte "supostamente foi pelas mãos da polícia" de Valencia, no estado de Carabobo (centro-norte), governado pelo chavismo.

Eram eles "que estavam atirando, não estavam atirando com balas de borracha, mas com balas reais, e foi um dos meus primos que caiu nessa oportunidade", afirma.

Víctor foi um dos venezuelanos que foi às ruas expressar descontentamento com os resultados anunciados após a meia-noite de domingo pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE), acusado de favorecer o governo, e cuja apuração foi qualificada de fraudulenta pela oposição.

Segundo testemunhas, Víctor, pai de uma adolescente de 16 anos e de dois meninos, de 10 e um ano, levou um tiro no peito na terça-feira.

"Se você está em uma passeata pacífica, não deveriam exercer a força, nem atirar em cidadãos. Não podem matar o país, o povo, as pessoas que saem para defender seu voto, a lutar por uma Venezuela melhor", reforça Bueno em frente à casa onde era velado o corpo de Víctor, que trabalhava em uma fábrica de plásticos.

A líder opositora María Corina Machado, protagonista da campanha do candidato Edmundo González Urrutia, principal adversário de Maduro nas eleições presidenciais e cuja vitória no pleito é reivindicada pela oposição, denunciou uma "escalada cruel e repressiva do regime".

"Essa é a resposta criminosa de Maduro ao povo venezuelano, que foi às ruas em família, em comunidade, para defender sua decisão soberana de ser livres. Estes crimes não ficarão impunes", disse Machado na rede social X.

- "Ele não é um terrorista" -

Ao luto pelas mortes, soma-se a angústia pelas centenas de presos que tanto a Procuradoria quanto o governo de Maduro descrevem como "delinquentes" e "terroristas" supostamente contratados pela oposição para desestabilizar o país.

Dezenas de familiares se reúnem em frente a um quartel-general em Valencia, esperando ansiosamente por notícias de seus entes queridos. Segundo a ONG Fórum Penal, 46 pessoas foram detidas nesta cidade.

Niurka Mendoza, de 38 anos, não tem notícias do filho, Ángel, de 19 anos, desde que ele foi detido durante uma manifestação no dia seguinte à votação.

"Disseram que o prenderam porque estava nos protestos e o estão acusando de terrorismo. Não é verdade, ele não é terrorista", diz Mendoza. Ele conta que seu filho foi detido juntamente com dois menores de idade.

O procurador-geral, Tarek William Saab, disse na quarta-feira que há 1.062 detidos por "atitudes facínoras".

Entre as acusações que enfrentam estão "incitação ao ódio" e "terrorismo", crime que pode levar à pena máxima de 30 anos de prisão na Venezuela. 

"Não haverá clemência, haverá justiça", disse Saab, de viés governista.

Luis Armando Betancourt, coordenador da ONG Fórum Penal em Carabobo, informou que os detidos "não puderam ter acesso a seus familiares, a advogados, e têm tido violados o devido processo e o direito à defesa".

Muitos são transferidos para "instalações militares, o que é completamente ilegal e inconstitucional", denunciou.

A angústia provocada pela incerteza do paradeiro dos detidos se mistura com a tristeza que invade os que perderam entes queridos para a repressão.

"Fico muito decepcionado com o que aconteceu porque uma frase muito popular que nosso libertador Simón Bolívar disse foi 'Maldito o soldado que levanta suas armas contra o povo'", comentou Adonis Alvarado, outro familiar de Víctor Bustos.

"E foi isto que ocorreu. Levantaram as armas contra o povo e meu primo acabou sendo assassinado no ato", acrescentou.

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