Quando Ibrahim Ibrahim ouviu as sirenes de ataque aéreo em seu povoado de Majdal Shams, nas Colinas de Golã sírias ocupadas por Israel, o seu primeiro pensamento foi para o seu filho Guevara, que brincava com os seus amigos no campo de futebol onde os foguetes caíram.

Inseparável da bola, torcedor do Brasil e fã de Ronaldinho, Guevara sonhava em ser jogador de futebol profissional. Ele tinha uma camiseta da Seleção e uma almofada com a bandeira do Brasil em sua cama.

"Ouvi a sirene e senti que algo tinha acontecido com Guevara", disse Ibrahim, que correu em direção ao campo de futebol onde estava seu filho e onde caiu um dos foguetes que abalaram este município druso de 11 mil habitantes, localizado a apenas 7 quilômetros da fronteira com o Líbano. 

Desde o início da guerra em Gaza, em outubro, aquela fronteira tem sido palco de trocas de disparos entre as tropas israelenses e o movimento islamista libanês Hezbollah, a quem Israel atribuiu este ataque. 

"Quando vi as muitas vítimas, tive medo de que ele estivesse entre elas", acrescentou, com a voz trêmula antes de começar a chorar. 

Alguns jovens que brincavam na área foram atingidos pelos foguetes enquanto corriam em direção a um abrigo antiaéreo próximo. Em um primeiro momento, as autoridades anunciaram a morte de onze menores entre 10 e 16 anos. 

Guevara não estava entre eles, mas Ibrahim também não tinha notícias dele.

- "Guevara não existia" -

Ibrahim e sua esposa Dalia começaram a procurar desesperadamente pelo filho. Eles foram primeiro à clínica de Majdal Shams porque receberam a informação de que seu filho estava lá. 

Mas foram em vão. De lá, foram para o hospital de Safed, na região vizinha da Galileia. Também não o encontraram. Depois, foram informados de que Guevara estava na sala de cirurgia de um hospital na cidade costeira de Haifa, a mais de uma hora de distância por estrada. Mas, ao chegarem ao hospital, perceberam que o menino internado na UTI era filho de outro homem que estava lá. 

"Guevara não existia. Não passavam de mentiras, mas mantivemos a esperança", disse Ibrahim.

Somente 27 horas depois foi confirmada a morte de seu filho de 11 anos, a 12ª morte mais jovem causada por um disparo de foguete. 

"Foi difícil, principalmente não saber de nada durante dois dias", explicou o pai. 

Naquele momento, eles revisaram as câmeras de segurança, nas quais Guevara foi visto "brincando com o amigo, pegando a bola, jogando e depois indo em direção às outras crianças quando a sirene foi acionada às 18h18". 

"Ele e o amigo chegaram ao portão quando o foguete caiu", lembrou. Nesse ponto, Ibrahim "começou a compreender" que o seu filho poderia ter estado tão perto do impacto que não teria sobrado nada dele para identificá-lo.

- "Ninguém quer a guerra"-

No dia seguinte ao drama, centenas de drusos, uma comunidade muito unida cuja religião vem do islã, partiram à procura de Guevara. Mas às 21h a polícia ligou e confirmou sua morte após realizar testes de DNA. 

"Foi assim que tudo terminou", conta Ibrahim, que deu ao filho o nome do popular revolucionário argentino executado em 1967. Mesmo agora, um retrato de "Che" está pendurado em uma estante do lado de fora do quarto que Guevara dividia com seu irmão mais novo, Ram.

O ataque com foguete atingiu  Majdal Shams. O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, foi ao local no dia seguinte e prometeu uma "resposta dura" contra o Hezbollah, que nega a responsabilidade pela ação. 

Mas Ibrahim, apesar da morte do filho, não tem sede de vingança, sentimento compartilhado por muitos moradores desta localidade drusa. 

"Ninguém quer a guerra. Nossos filhos e as crianças de todo o mundo sofrem", afirmou Ibrahim. "Este incidente não mudou a minha opinião, continuo um defensor da paz".

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