Nunca ocorreu a Rosa Romero que ela pudesse ser despejada de sua humilde residência em uma praia de El Salvador. Mas ficou encurralada pelos investimentos imobiliários e turísticos, resultado da cruzada contra as gangues do presidente Nayib Bukele. 

Assim como acontece com ela em El Higuerón, 175 km a sudeste da capital, San Salvador, centenas de salvadorenhos pobres correm o risco de perder as casas que construíram há décadas em terras públicas. 

"Meus [quatro] filhos, eu e eles, estamos preocupados porque chegou uma mulher que se diz dona do terreno [...] e me processou para me despejar", disse esta mãe solo de 41 anos à AFP.

A casa de Romero tem paredes e telhado em chapa de zinco, o chão é de terra, não há divisões de cômodos e as janelas não têm vidros. Seus filhos mais velhos, Joaquín (22 anos) e Ulises (16), se dedicam à pesca para sustentar a família. 

"Vivemos do mar e se sairmos daqui, do que vamos viver?", questiona Romero ao mostrar duas intimações judiciais para uma "diligência conciliatória" de despejo.

- Terrenos à venda -

Romero tinha 11 anos quando ela e a irmã mais velha se estabeleceram à beira desta praia no bairro de Jucuarán, junto com outras famílias pobres. A sangrenta guerra civil salvadorenha (1980-1992) havia acabado de terminar. 

Estas terras eram do Estado e as autoridades da época prometeram dar títulos de propriedade a estas famílias, mas nunca o fizeram. 

A praia de El Higuerón era quase virgem até pouco tempo atrás, mas agora atrai turistas e surfistas. Isso incentivou o desenvolvimento imobiliário à medida que as condições de segurança no país melhoraram com a "guerra" à gangues de Bukele. 

Em agosto de 2022, o presidente visitou a cidade vizinha de Punta Mango para anunciar a construção de uma estrada para Surf City 2, área de hotéis e restaurantes, que inclui a praia El Higuerón. 

"Land for sale" ("Terrenos à venda"), "rooms for rent" ("quartos para alugar"), dizem as placas em inglês instaladas na beira da estrada, onde sob um sol escaldante dezenas de trabalhadores constroem três pontes.

- Incerteza -

Cerca de 625 famílias pobres da região correm risco de despejo, segundo a ONG Cristosal e o Movimento Indígena para a Integração das Lutas dos Povos Ancestrais de El Salvador (Milpa), que apoiam os afetados. 

Os terrenos "com acesso ao mar são cada vez mais monopolizados por grupos empresariais" que apostam nos turistas estrangeiros, afirma Ángel Flores, de Milpa, à AFP. 

O governo se absteve de comentar esta questão. 

Flores diz que os megaprojetos Surf City 2 e Pacific Airport "dispararam" o preço de um hectare de terreno de US$ 3 mil para US$ 28 mil (R$ 16,8 mil a R$ 157 mil).

O governo comprou os terrenos daqueles que serão despejados pelo aeroporto, pois tinham títulos de propriedade, mas quem não os tem vive dias de angústia. 

Para Surf City 1, no departamento central de La Libertad, cerca de 125 famílias serão retiradas da praia de El Zonte. Foi-lhes prometido uma transferência para uma colina próxima, mas a construção das casas foi interrompida. 

Treze em cada 100 famílias salvadorenhas sofrem de "insegurança na propriedade da terra onde residem", segundo o Instituto de Opinião Pública da Universidade Centro-Americana (IUDOP). 

As casas ficaram mais caras no país devido à chegada de estrangeiros. 

Cristosal e o IUDOP afirmam que está em curso uma "gentrificação" acelerada, um processo de densificação urbana em que as famílias pobres são deslocadas por pessoas com rendas mais altas. 

cmm/fj/mar/mr/aa