O México avança na reforma de seu Poder Judiciário, uma proposta do governo de esquerda que desencadeou uma greve, tensionou as relações com os Estados Unidos e segue gerando desconfiança dos mercados.
A espinha dorsal desta reforma constitucional, que propõe a eleição de juízes e magistrados por voto popular, está a caminho de ser aprovada graças à ampla maioria pró-governo que assumirá o controle do Congresso no próximo domingo.
Confira os pontos-chave da iniciativa.
- O que propõe? -
Alegando que o Poder Judiciário está a serviço das elites, o presidente em fim de mandato, Andrés Manuel López Obrador, propõe que juízes e magistrados, incluindo os da Suprema Corte, sejam eleitos pelos cidadãos.
Os candidatos serão indicados pelos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.
Atualmente, os membros da Suprema Corte são indicados pelo presidente e ratificados pelo Senado. Juízes e magistrados são nomeados pelo Conselho da Judicatura Federal (CJF), órgão administrativo do setor.
Os requisitos para esses cargos permaneceriam praticamente os mesmos: 35 anos de idade para ministros e magistrados e 10 anos de experiência profissional; 30 anos para juízes e cinco anos de experiência. Nenhum deles deve ter ocupado cargos como secretário de Estado, procurador, congressista, magistrado eleitoral ou governador.
O projeto, apoiado pela presidente eleita Claudia Sheinbaum, que assumirá o cargo em 1º de outubro, propõe ainda reduzir o número de ministros do máximo tribunal de 11 para 9 e reduzir seus mandatos de 15 para 12 anos.
Além disso, cria um novo órgão para supervisionar os juízes, em um país onde a impunidade atinge 99%, segundo a ONG Impunidade Zero.
O caso mais semelhante ao projeto mexicano é o da Bolívia, onde os membros dos tribunais superiores são eleitos por voto popular. Alguns estados americanos elegem assim seus juízes locais, assim como a Suíça.
- Por que a rejeição? -
Opositores, juízes e servidores do setor afirmam que a reforma politizará a justiça.
López Obrador está em conflito com a Suprema Corte, que bloqueou reformas como uma do setor energético que ampliava a participação estatal e outra que envolvia a participação de militares na segurança pública. Ambas as decisões foram mantidas, apesar de o presidente ter indicado cinco dos atuais ministros.
O presidente mexicano também acusa alguns juízes e magistrados de favorecerem criminosos de alta patente, embora a reforma proponha proteger as identidades nos casos que possam colocar as vidas dos suspeitos em risco.
O relator especial da ONU sobre a independência de juízes e advogados pediu que a proposta seja "reconsiderada" para preservar a "independência judicial".
Os servidores, em greve por tempo indeterminado, também alertam que a eleição elimina os avanços por mérito.
Os candidatos "serão incluídos em uma cédula eleitoral como qualquer votação partidária" e "aparecerão aqueles que tiverem contatos, financiamento", diz à AFP Roberto Zayas, servidor do Judiciário, de 38 anos.
Especialistas criticam que a reforma não atinge as procuradorias, polícias e ministérios públicos, que são acusados de serem os responsáveis pela colossal impunidade devido à corrupção e à baixa capacidade de investigação.
"Ao não contemplar esses operadores, não está realmente cumprindo a função de buscar uma justiça ideal", afirma Leslie Urzúa, da Impunidade Zero.
- Quais são as críticas de EUA e Canadá? -
Os Estados Unidos afirmam que a reforma representa um "risco" para a democracia e "ameaça" o acordo de livre comércio T-MEC, pelo qual 83% das exportações mexicanas vão para aquele país.
Também alegam que abre a porta para que os cartéis se aproveitem de juízes inexperientes, em um contexto em que o narcotráfico já permeia a política.
O T-MEC, que deve ser revisado em 2026, "depende da confiança dos investidores", alerta Washington.
O Canadá também manifestou que seus investidores "querem um sistema judicial que funcione se houver problemas".
López Obrador rejeitou essas declarações e as classificou como "ingerência".
- Quais são as preocupações dos mercados? -
A reforma "levaria a uma elevada incerteza sobre o ambiente legal", indicou a consultoria britânica Capital Economics em uma nota para seus clientes.
Desde a vitória esmagadora de Sheinbaum em 2 de junho, o peso mexicano se desvalorizou 15,7% e chegou a níveis próximos de 19,6 unidades por dólar.
"Esta desvalorização reflete as preocupações internas sobre a estabilidade econômica do país, que poderiam estar se refletindo no menor crescimento do PIB, e também a percepção de risco que os investidores estrangeiros estão começando a atribuir ao México", disse à AFP Ramsé Gutiérrez, codiretor de investimentos da companhia Franklin Templeton.
O Banco Central do México reduziu na quarta-feira sua previsão de crescimento para este ano de 2,4% para 1,5%, devido ao menor dinamismo da demanda dos Estados Unidos.
yug/axm/mar/jb/mvv