O presidente da Guatemala, Bernardo Arévalo, e a questionada procuradora-geral, Consuelo Porras, estão imersos em uma guerra sem trégua na qual ambos arriscam seus cargos.

Arévalo — assim como os Estados Unidos e a União Europeia — considera que a procuradora-geral é "corrupta" e que aproveita sua posição para perseguir aqueles que se colocam em seu caminho ou incomodam seus aliados, incluindo o ex-presidente de direita Alejandro Giammattei (2020-2024). 

"É definitivamente um obstáculo ter um inimigo do tamanho do Ministério Público" afirma à AFP o constitucionalista e ex-deputado Roberto Alejos, que garante que a procuradora-geral representa "um grupo obscuro neste país" que se sente ameaçado por Arévalo.

"A guerra contra dona Consuelo é uma distração para tentar encobrir a incapacidade oceânica de Arévalo", responde Ricardo Méndez, líder da Fundação Contra o Terrorismo, de extrema direita. 

Esta luta com um prognóstico reservado começou há um ano, mas se intensificou quando Porras pediu à Corte de Constitucionalidade a sua aprovação para abrir um processo contra o governante, em 31 de julho.

A procuradora-geral solicitou a abertura de uma queixa contra o presidente por promover reformas para conseguir sua destituição, o que supostamente viola uma ordem emitida em maio por este tribunal superior que exige que o chefe de Estado e outros funcionários se abstenham de atos que minem "o mandato para o qual [a procuradora] foi eleita", que expira em maio de 2026.

Um dia depois, o presidente pediu à Suprema Corte que cancelasse a imunidade de Porras e assegurasse sua destituição. Mas a instância ainda não se pronunciou.

Caso o pedido da procuradora-geral seja acatado, um processo poderia eventualmente levar à perda de imunidade de Arévalo e ao fim abrupto de seu mandato de quatro anos.

- "Não pode governar" -

Porras empreendeu a cruzada contra Arévalo depois do primeiro turno das eleições em junho de 2023, quando emergiu como sucessor de Giammattei. 

Já como presidente eleito, o social-democrata denunciou um plano de "golpe de Estado" da procuradora-geral para impedi-lo de assumir o poder. 

Embora não tenha impedido a posse de Arévalo, Porras conseguiu que a Justiça desqualificasse o seu partido Semilla, o que restringe a atuação de sua bancada minoritária no Parlamento.

Em maio, o presidente propôs ao Congresso, dominado pela oposição, uma reforma para obter o poder de destituir Porras, mas a iniciativa não avançou. 

"A questão é que temos uma procuradora-geral com plenos poderes e um sistema de justiça que concorda com ela e não com o presidente", critica a diretora da ONG Projusticia, Carmen Ibarra. 

Arévalo "não pode governar, está verdadeiramente algemado porque não tem nenhuma força parlamentar, uma força real nas cotas de poder no país", disse a advogada à AFP.

Para Manfredo Marroquín, da filial local da ONG Transparência Internacional, "o pacto corrupto dominou todo o Estado da Guatemala e é evidente que seu poder [ainda] é muito grande". 

Este grupo "não foi enfraquecido em nada, estão à espera, à espreita, com planos A, B, C e D diferentemente do governo que está desorganizado, sem clareza de agenda e não tem um plano A", acrescenta.

- "Presidente paralela" -

Analistas acreditam que o presidente sofre os maiores desgastes neste conflito. 

Para Ibarra, Arévalo "já deixou grandes segmentos da população decepcionados" e o fato de não poder destituir Porras deixa a procuradora-geral e seus aliados muito mais fortes.

"Ele vai ter que conviver com ela, enquanto ela vai passar o próximo ano e meio atormentando o presidente", acrescenta.

Marroquín afirma, por sua vez, que a "luta desgastou muito o governo, porque no final a procuradora-geral parece ser uma presidente paralela".

Para combater a corrupção no país, foi criada em 2007 a CICIG, uma entidade com o aval da ONU que funcionava como um Ministério Público paralelo sob a liderança de juristas estrangeiros. 

Mas foi desmantelada em 2019 pelo ex-presidente Jimmy Morales (2016-2020) e desde então o poder de Porras, de 70 anos, cresceu. 

Em 2021, ela lançou uma perseguição contra procuradores e ex-funcionários da CICIG que investigaram casos destacados de corrupção. Isso levou os Estados Unidos a sancioná-la. 

Giammattei, que também enfrenta sanções de Washington por corrupção, prorrogou o mandato da procuradora até 2026.

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