As eleições presidenciais nos Estados Unidos foram marcadas por reviravoltas recentes, incluindo um atentado contra o ex-presidente Donald Trump e a desistência de Joe Biden.
Além dos eventos dramáticos, a disputa também é caracterizada por um vocabulário próprio, influenciado pelas redes sociais.
Termos como "weird", "woke", "brat" e o lema "Maga" (Make America Great Again, em inglês) de Donald Trump têm uma forte presença do debate online e, de acordo com especialistas, podem influenciar significativamente os eleitores.
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"Essas palavras e expressões são muito importantes porque, em primeiro lugar, são fáceis de memorizar e espalhar", avalia Lucas Leite, doutor em Relações Internacionais e professor da mesma disciplina na Fundação Armando Alvares Penteado (Faap).
"Elas rapidamente constroem uma identidade comum que carrega algo mais complexo do que apenas o termo. Ajudam a criar identificação com quem se apoia, como se apoia e por que se apoia."
Entenda a seguir o que significam estes termos e o peso eles que podem ter na eleição presidencial americana de 2024.
'Brat'
Kamala Harris, vice-presidente de Joe Biden e cotada para substituí-lo na corrida presidencial, ganhou o título de brat, termo que dominou o TikTok de jovens nas últimas semanas.
A palavra é o nome do álbum mais recente da cantora britânica Charli XCX, que foi quem "batizou" Kamala com o termo.
Em vídeo publicado no TikTok, a cantora descreve brat como "aquela garota que é um pouco bagunceira, gosta de festas e às vezes fala besteiras. Que se sente bem consigo mesma, mas às vezes tem crises. E que se diverte apesar disso. É muito honesta, muito direta, um pouco volátil. Faz coisas bobas. Isso é ser uma brat."
Muitos teorizam que o termo é o oposto de "clean girl", uma tendência estética minimalista — na qual as garotas usam pouca maquiagem, nada de estampa e preferem tons claros — que é frequentemente empregada por influenciadoras.
Mas o que isso tem a ver com a vice-presidente americana?
Embora Harris seja uma democrata com posições políticas relativamente moderadas, ela realmente vai contra algumas "regras pré-definidas", avalia Leite.
Como a primeira mulher, pessoa negra e pessoa de descendência sul-asiática a ocupar o cargo de vice-presidente, Harris já é uma figura atípica na política americana.
"Isso tudo mostra que ela é uma quebra de paradigmas, especialmente em um país com o histórico de candidatos dos Estados Unidos, concorrendo contra um homem branco mais velho que defende posições conservadoras", diz Leite.
Quando celebridades pop apoiam um certo candidato, afirma o especialista, isso gera identificação e facilita que o discurso político seja trazido para a esfera da comunicação rápida e fluida da internet.
"Faz com que os jovens consigam ver nela um elemento de identificação comum com o 'nós' do mainstream pop, o grupo que define o que é tendência. Isso tem um apelo muito forte junto à internet, especialmente com a geração Z."
Harris rapidamente abraçou o meme. A imagem de fundo do seu perfil oficial no X (antigo Twitter) foi alterado para um verde limão, a cor da capa do álbum de Charli XCX e considerada "símbolo" das brat.
Silvio Waisbord, professor de Mídia e Assuntos Públicos da Universidade George Washington, Estados Unidos, avalia que, com isso, há claramente uma tentativa na campanha da democrata de alcançar os jovens.
"Estão tentando atrair mulheres, jovens, eleitores negros. Eles já têm tentado apresentá-la de uma maneira mais acessível do que uma figura política tradicional", acrescenta Waisbord.
"As eleições nos Estados Unidos são mais sobre mobilizar a própria base do que qualquer outra coisa, até mais do que tentar alcançar outros grupos de eleitores. O que ela está tentando fazer é usar uma linguagem e imagens que, no passado, foram eficazes para engajar pessoas que votaram nos democratas ou que têm tendência a votar neles."
No Tiktok, vídeos curtos com músicas da cantora britânica mostram imagens antigas de Harris discursando, mas também rindo e dançando. Uma imagem descontraída de uma possível candidata à Presidência.
"Esse jeito mais despojado tem sido usado pelo Partido Republicano para criticá-la, e o que ela tem tentado fazer é reapropriar-se dessas críticas, dizendo 'Sim, esta sou eu', e tornar isso mais positivo e humano", diz Waisbord.
'Woke'
Outro termo que se tornou popular — tanto entre democratas quanto entre republicanos, embora com conotações diferentes — é woke, que, em tradução literal do inglês, significa "desperto".
A palavra ganhou significados bem mais amplos. Na gíria norte-americana, ser ou estar 'woke' pode indicar com quais posturas políticas você mais se identifica.
O uso do termo surgiu na comunidade afroamericana e originalmente queria dizer "estar alerta para a injustiça racial".
Em um evento em 2023, Trump afirmou não gostar do termo, porque "metade das pessoas não consegue nem defini-lo" e "não sabe o que é".
O termo já não é amplamente usado no debate político, mas seu significado implícito, sim.
"Para os republicanos, apoiadores de Trump, o woke é encarado de forma pejorativa, quase como um insulto às pessoas de esquerda ou progressistas nos Estados Unidos", avalia Waisbord.
"Mas hoje é raro que se use o termo em discursos. É mais comum que ataquem os mesmos aspectos do que ele representa, mas de formas diversas."
Um exemplo disso aconteceu durante a Olimpíada de Tóquio, quando a seleção de futebol feminino dos Estados Unidos ganhou uma medalha de bronze.
Trump atacou o time por não levar o ouro para casa, alegando que eles são "liderados por um grupo radical de maníacos esquerdistas" e que o país "deveria substituir os wokesters por patriotas".
Muitas pessoas acreditam que quem cunhou a expressão foi o romancista William Melvin Kelley (1937-2017).
Em 1962, Kelley publicou um artigo no jornal americano The New York Times com o título "If You're Woke, You Dig it" ("Se você estiver desperto, entenderá", em tradução livre).
O termo ressurgiu na última década com o movimento Black Lives Matter, criado para denunciar a brutalidade policial contra as pessoas afrodescendentes.
Mas, desta vez, seu uso se espalhou para além da comunidade negra e passou a ser empregado com significado mais amplo.
Em 2017, o dicionário inglês Oxford acrescentou este novo significado de woke, definido como: "Estar consciente sobre temas sociais e políticos, especialmente o racismo".
Assim como algumas pessoas se autodefinem com muito orgulho como alguém woke, ou atento contra a discriminação e a injustiça, outros utilizam o termo como insulto.
O próprio dicionário Oxford faz esta distinção. Após a definição, acrescenta: "Esta palavra é frequentemente empregada com desaprovação por pessoas que pensam que outros se incomodam muito facilmente com estes assuntos, ou falam demais sobre eles, sem promover nenhuma mudança".
'Weird'
"Weird" ou "bizarro", na tradução livre para o português, é como a campanha de Kamala Harris escolheu chamar Trump e seu vice, JD Vance, mostrando a mudança na campanha democrata para ataques a Trump em tom mais leve e desdenhoso.
A palvra foi primeiro empregada para caracterizar os republicanos pelo governador de Minnesota, o democrata Tim Walz, posteriormente escolhido como vice-presidente na chapa de Kamala Harris.
"Ele é apenas um cara bizarro, esquisito", disse Walz sobre Trump durante um evento de arrecadação de fundos, antes de integrar a chapa de Kamala.
A frase "pegou" e viralizou. Do discurso nos comícios, aos informes para a imprensa, tudo tem refletido essa mudança na campanha democrata.
Estrategistas do partido dizem que essa nova mensagem parece estar afetando os eleitores com inclinação democrata porque faz com que votar em Kamala pareça mais uma escolha de senso comum e menos uma tarefa cívica, embora ainda seja cedo para cravar.
O adjetivo parece que incomodou Trump, que prontamente respondeu que "bizarros" são "eles".
"Eles são os bizarros. Ninguém nunca me chamou de bizarro. Eu sou muitas coisas, mas bizarro eu não sou", disse Trump em uma entrevista ao apresentador de rádio conservador Clay Travis.
'Maga'
Lema da campanha de Donald Trump desde 2016, Maga é sigla para "Make America Great Again" (Tornar a América Grande Novamente, em tradução livre).
O slogan é amplamente usado por republicanos e apoiadores do ex-presidente americano.
A frase é estampada em itens como camisetas e principalmente em bonés vermelhos, vistos em grande número durante os comícios de Trump.
Originalmente usada por Ronald Reagan como slogan em sua campanha presidencial de 1980 ("Let's Make America Great Again" - Vamos Tornar a América Grande Novamente), a releitura da frase teve rápida adesão entre os apoiadores de Trump.
"É emocional, simples, de fácil entendimento e oferece a possibilidade de participação", avalia o especialista de marketing Ben Ostrower, em entrevista à BBC.
"Independentemente da sua opinião sobre Donald Trump, ele é um grande vendedor. E é um mérito do Maga ser um divisor de águas tão forte."
O professor Lucas Leite relembra que, quando Ronald Reagan propôs tornar a América grande novamente, ele tentava resgatar o orgulho nacional, mostrando que os Estados Unidos poderiam voltar a ser uma potência.
"No entanto, devemos questionar: grandeza em relação a quê? A que período? Para quem?", pondera Leite.
O professor avalia que o lema Maga foi instrumentalizado naquele contexto e, atualmente, faz parte de um discurso frequentemente associado a supremacistas brancos, que defendem a ideia de um americano "verdadeiro", anglo-saxão, protestante e branco.
"Essa identidade representava a grandeza dos Estados Unidos e foi diluída por minorias e imigrantes. O Maga, portanto, tem essa capacidade de criar uma identidade forte e facilitar a comunicação e a identificação com a figura de Trump", diz Leite.
Silvio Waisbord acrescenta que o Partido Republicano e Trump "buscam representar essa posição anti-elitista, muito populista, defendendo a noção mítica da pessoa comum".
Mas, como aponta Waisbord, o lema não é usado pelos democratas de uma forma crítica, com um tom pejorativo como o termo woke.
"Biden e Kamala estão tentando evitar qualquer referência negativa à base principal do Partido Republicano agora, que é basicamente a classe trabalhadora branca sem educação formal, porque isso já teve um efeito negativo no passado."
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