Quando Sandra denunciou o parceiro por ter abusado sexualmente de seu filho, em vez de receber ajuda, foi acusada de manipular a criança para se voltar contra o pai.
"Trataram-me como uma louca, como uma mãe maldosa, como uma mãe negligente", declarou ela, que pediu que seu verdadeiro nome fosse omitido por medo de represálias.
As denúncias de Sandra foram rejeitadas e ela perdeu a custódia de seu filho por quase dois anos quando a Justiça lhe acusou de implantar falsas recordações sob a "síndrome de alienação parental" (SAP).
Esta suposta condição é utilizada como argumento jurídico em vários países, mas rejeitada pela ciência, as Nações Unidas, o Parlamento Europeu, a Organização dos Estados Americanos e a Colômbia, que vetaram o seu uso nos tribunais em uma decisão constitucional sem precedentes.
Criada na década de 1980 pelo psiquiatra americano Richard Gardner, esta controversa teoria sustenta que um menor pode ser manipulado por um de seus pais para rejeitar ou odiar o outro. Um argumento recorrente em casos de violência sexual.
"Eu realmente me questionei se estava realmente louca. Eles me acusaram de querer atrapalhar o relacionamento entre pai e filho", declarou.
Ela não é a única. A SAP esteve presente nos tribunais de todo o mundo na última década, invocado sobretudo por homens para ofuscar queixas e fugir de responsabilidades.
É o que alertam a ONU e o Mecanismo de Seguimento da Convenção de Belém do Pará (Mesecvi) da Organização dos Estados Americanos (OEA), que a classificam como "uma forma de violência contra a mulher".
A psicóloga forense e perita colombiana María Paula Chicurel explica que esta teoria "utiliza estereótipos para identificar as mulheres como vingativas, ciumentas, loucas, mitômanas ou manipuladoras".
Já os defensores da SAP afirmam que se trata de um "fenômeno na fase intermediária da investigação". "O (pai) que se sente ofendido toma o filho como despojo de guerra para prejudicar a parceira. (...) Não levar em conta (a SAP) é deixar os juízes sem ferramentas para (...) determinar o que está acontecendo em uma família destruída", defende a advogada colombiana Ester Molinares.
A Organização Mundial da Saúde e a Associação Americana de Psicologia classificam esta síndrome como "pseudocientífica" e a excluem de seus manuais de diagnósticos.
Mas o conceito ganhou espaço, sobretudo em uma legislação brasileira de 2010, que endossa a SAP.
- Decisão inédita -
Sandra perdeu a guarda do filho em 2022. Ele foi entregue, diz ela, ao melhor amigo do pai e depois a ele, apesar das acusações.
Camila viveu um drama semelhante: foi acusada da síndrome quando processou o pai de suas filhas por tê-las agredido sexualmente.
Uma funcionária "me ameaçou dizendo que tinha o poder de tirar as meninas de mim (...). Fiquei com muito medo", diz a colombiana que pediu para proteger sua identidade.
Em 2023, o Tribunal Constitucional colombiano analisou um incidente específico e proibiu a SAP como argumento jurídico por falta de respaldo científico, embora tenha solicitado a avaliação de "manipulações" em cada caso. A partir de agora, o acusado deverá basear sua defesa em outras teses.
"O tribunal considerou que esta condição não é aceitável quando há histórico de violência doméstica, visto que o primeiro invisibilizaria o segundo comportamento", explica Lilia Zabala, professora de Direito da Universidade de Los Andes.
Sandra recuperou seu filho através de uma decisão que "demonstra que essa síndrome não existe", comemora.
Mas os adeptos da SAP, segundo especialistas, agora usam sinônimos para invocá-la legalmente: interferência, triangulação, mães maliciosas.
A imprensa colombiana também denuncia com áudios e vídeos vazados um "cartel da infância", uma suposta conspiração em que entidades, advogados e especialistas concedem a guarda a pais com maior poder aquisitivo.
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