O México será  o primeiro país do mundo a eleger todos os seus juízes por voto popular, após a aprovação de uma reforma do presidente de esquerda Andrés Manuel López Obrador, que, segundo seus críticos, compromete a independência dos poderes.

"Vamos dar um exemplo ao mundo porque o Poder Judiciário, está mais do que provado, não faz justiça", disse o mandatário ao celebrar a aprovação da emenda, que estremeceu as relações com os Estados Unidos — principal parceiro comercial do México — e gerou nervosismo nos mercados.

López Obrador, que entregará o poder à sua apadrinhada política Claudia Sheinbaum no dia 1º de outubro, impulsionou a emenda constitucional no contexto de um confronto com a Suprema Corte, à qual acusa de favorecer a corrupção e grupos criminosos e de servir à oposição.

"O regime de corrupção e privilégios fica cada vez mais no passado", considerou Sheinbaum no X.

O tribunal máximo bloqueou reformas de López Obrador que ampliavam a participação do Estado no setor energético e deixavam a segurança pública nas mãos dos militares, entre outras.

A impunidade no México, onde são registrados diariamente cerca de 80 homicídios e há mais de 100 mil desaparecidos, supera 90%, segundo a própria Suprema Corte.

Alguns magistrados desse tribunal, os Estados Unidos, as Nações Unidas e organizações como a Human Rights Watch alertam que a eleição por voto popular pode deixar os juízes à mercê de interesses políticos e criminosos.

A reforma representa a "demolição" do Poder Judiciário, denuncia a presidente da Corte, Norma Piña.

Após a aprovação no Senado, o texto precisa ser aprovado por pelo menos 17 assembleias estaduais, o que não parece ser um obstáculo para o partido Morena e seus aliados, que controlam dois terços dos estados. Em seguida, a reforma será promulgada pela Presidência.

Esses trâmites foram iniciados nesta quarta-feira em vários estados.

López Obrador, cuja popularidade supera 70%, sustenta que a Corte não tem autoridade para barrar a emenda por meio de impugnações.

- "Não vai cair!"-

A eleição de quase 1.600 juízes ocorrerá entre 2025 e 2027, entre candidatos propostos paritariamente pelos poderes Executivo, Legislativo — onde o governo tem amplas maiorias — e Judiciário.

Os magistrados atuais poderão se candidatar, mas, se não o fizerem, permanecerão em seus cargos até que os eleitos assumam.

A reforma foi aprovada com 86 votos a favor e 41 contra, após uma jornada caótica que incluiu a invasão do Senado por funcionários judiciais em greve e estudantes.

Devido a isso, as deliberações foram transferidas para a antiga sede do Senado na Cidade do México, como ocorreu uma semana atrás, quando a Câmara dos Deputados teve que aprovar a norma em um ginásio, pois seu prédio estava bloqueado.

Nesta quarta-feira, dezenas de manifestantes se reuniram do lado de fora do Senado para protestar contra a aprovação. "Não vou entregar [o cargo] até as últimas consequências", afirmou em um discurso Mario Domínguez, juiz distrital do estado de Jalisco.

Entre as mudanças trazidas pela emenda, a figura dos "juízes sem rosto" para enfrentar o crime organizado preocupa Ana Paola Morales, manifestante e aluna de relações internacionais de 23 anos. "Viola o direito de saber quem está te julgando e por quais acusações", diz à AFP.

Os críticos também denunciam que a reforma visa, na verdade, eliminar a independência judicial para instaurar um regime autoritário e perpetuar o Morena no poder.

Além disso, alertam que limita a carreira administrativa baseada em méritos, embora a Suprema Corte mencione sérios problemas de nepotismo no Poder Judiciário.

- Caso único -

A reforma é questionada em particular por Margaret Satterthwaite, relatora das Nações Unidas sobre a independência de juízes e advogados, que havia pedido reconsideração para salvaguardar a independência dos magistrados.

Ela coloca o México "em uma posição única em termos do método de eleição de juízes", apontou na terça-feira.

O outro caso semelhante na América Latina é o da Bolívia, onde os magistrados das cortes superiores são eleitos por voto popular, enquanto os juízes ordinários são designados por um conselho de magistratura.  

Mas a independência dos juízes eleitos tem sido questionada em meio à disputa entre o presidente Luis Arce e seu mentor e ex-presidente socialista Evo Morales (2006-2019).

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