Quando assumiu o poder após sua inesperada vitória nas eleições presidenciais de 1990, Alberto Fujimori encontrou um Peru assolado pela hiperinflação e pela violenta guerrilha maoísta do Sendero Luminoso.

De origem japonesa, mas popularmente conhecido como 'o chinês', Fujimori — que morreu na quarta-feira (11) aos 86 anos — delineou um governo que, entre acertos econômicos e um estilo autoritário, marcou o fim do século XX, conforme analisam os especialistas.

Durante seus dez anos de mandato, o ex-mandatário fechou o Congresso, alterou a Constituição, assinou a paz com o Equador, foi reeleito duas vezes e derrotou, com o uso da violência, a extrema esquerda armada

Segundo a justiça, que o mandou para a prisão, Fujimori violou os direitos humanos na chamada "guerra contra o terrorismo".

- "O outsider" -

Alberto Kenya Fujimori era um completo desconhecido até 1990. Naquele ano, contra todas as previsões, derrotou o escritor e amplamente favorito Mario Vargas Llosa.

Engenheiro agrônomo e matemático formado nos Estados Unidos e na França, fez campanha em um trator e vestido de samurai, com um discurso de centro-esquerda prometendo "honestidade, tecnologia e trabalho".

Ao romper com a classe política, tornou-se um dos primeiros presidentes 'outsiders' em uma região até então marcada por um regime de partidos.

Foi "uma das figuras mais importantes" das últimas três décadas após "o colapso dos partidos" e sua ascensão fora deles, disse à AFP o analista político Augusto Alvarez.

Segundo o especialista, o ex-presidente remodelou a política peruana "em um sistema quase bipartidário de fujimorismo contra antifujimorismo" que se estendeu até sua morte.

- Autogolpe e "guerra suja"

No poder, dissolveu o Congresso em 1992, se aliou aos militares e cooptou as instituições para convocar uma Assembleia Constituinte, que fez uma nova Constituição a seu favor e abriu as portas para uma reeleição, até então proibida.

O "autogolpe" obteve amplo apoio popular. Fujimori recebeu carta branca para transformar a economia peruana em uma das mais abertas da região, promovendo privatizações, e deu luz verde para reprimir as guerrilhas.

Os "excessos" dos militares contra as guerrilhas resultaram em ações de "terra arrasada", onde camponeses ou estudantes inocentes foram mortos por esquadrões que os acusavam de proteger rebeldes.

Os massacres de Barrios Altos (1991) e da universidade La Cantuta (1992), no qual um esquadrão do Exército matou no total 25 civis — incluindo uma criança — resultaram em uma condenação de 25 anos por crimes contra a humanidade, como sequestro, tortura, desaparecimento forçado e homicídio.

Fujimori recuperou a liberdade em dezembro, aparado por um indulto humanitário criticado pela justiça interamericana.

O conflito interno ou a "guerra contra o terrorismo" — como foi oficialmente denominado — deixou mais de 69.000 mortos e 21.000 desaparecidos no período de 1980 a 2000, a grande maioria civis, segundo uma comissão da verdade.

- Os fins justificam os meios -

Fujimori era conhecido como o presidente que "consertou" a economia peruana, mergulhada em uma hiperinflação superior a 7.000% em 1990, sem reservas e com uma dívida externa exorbitante.

"Recebemos um país quebrado, inviável, e o tornamos viável", disse ao canal N de televisão o empresário Máximo San Román, vice-presidente de Fujimori entre 1990 e 1992, antes de se afastar dele após a dissolução do Congresso.

"Derrotou o terrorismo do Sendero Luminoso, venceu a hiperinflação" e foi responsável "pela grande reforma econômica, da qual o Peru ainda vive" por meio de um modelo liberal, destacou Alvarez.

Durante seu segundo mandato, ocorreu a ocupação da residência do embaixador japonês em Lima pelo Movimento Revolucionário Túpac Amaru. Após 122 dias de crise, Fujimori ordenou a entrada das forças de segurança na sede diplomática.

A operação espetacular resultou na libertação de 71 pessoas e na morte dos 14 sequestradores, um refém e dois militares.

- Paz com o Equador - 

Fujimori resolveu um dos poucos conflitos bélicos por questões de fronteira que a região herdou da era colonial espanhola, ao conseguir um acordo que pôs fim a mais de um século de discórdia entre Lima e Quito.

"A paz com o Equador é sem dúvida um de seus principais feitos. Esse conflito era o de maior duração entre países latino-americanos, não tinha um fim resolvido e ativava nacionalismos em cada país", disse à AFP o analista político José Carlos Requena.

"A dinâmica binacional mudou com a paz, e as tensões entre Peru e Equador desapareceram", acrescentou.

O acordo de paz foi assinado em 1998, em Brasília, e encerrou uma longa etapa de confrontos armados, o último deles em 1995.

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