A economia do México entrou em um caminho desconhecido e incerto para negócios e crescimento, após a aprovação de uma reforma que torna o país da América do Norte o primeiro a eleger todos os seus juízes por voto popular.

Agências de classificação como a Moody's, analistas e empresários alertam que a emenda constitucional pode enfraquecer a solidez e as finanças da 12ª maior economia do mundo, ao "erodir" o equilíbrio entre os poderes e enfraquecer suas instituições.

O presidente de esquerda Andrés Manuel López Obrador, para quem a reforma era necessária para combater a corrupção, desconsidera esses alertas e afirma que seu governo atraiu números "recordes" de investimento estrangeiro.

Mas o que implica a mudança constitucional para o investimento, o comércio e o crescimento?

- O que temem os investidores? -

O núcleo das preocupações é o temor de ver um Judiciário deteriorado como contrapeso ao Executivo e ao Legislativo, alerta um relatório da Moody's.

"A nova lei pode politizar as decisões da Suprema Corte", além de "comprometer a independência do sistema", disse a agência.

Investidores alertam que, com juízes dependentes de eleições, "haveria uma tendência a tomar decisões baseadas no que ressoe bem entre os eleitores", diz Jason Marczak, vice-presidente do centro Adrienne Arsht para a América Latina, parte do think tank Atlantic Council.

Durante o mandato de López Obrador, sentenças da Suprema Corte e de outros tribunais frearam o impacto sobre empresas de outra iniciativa legislativa que buscava ampliar o controle estatal sobre o setor elétrico.

"O sistema judicial já bloqueou anteriormente mudanças legais radicais", destaca a Moody's, que mantém o México com nota Baa2, dentro do grau de investimento, e perspectiva estável.

A reforma, no entanto, representa um "impacto negativo alto" para a classificação soberana, segundo a agência.

- Como vai impactar o comércio? -

As mudanças poderiam alterar o marco legal do comércio exterior mexicano, altamente concentrado nos Estados Unidos e no Canadá, seus parceiros do T-MEC, com os quais o país trocou mercadorias no valor de cerca de 750 bilhões de dólares (R$ 4,18 trilhões na cotação atual) em 2023.

A regulamentação rigorosa que o tratado estabelece para setores como o automotivo ou para resolver conflitos trabalhistas poderia ser afetada por juízes mais preocupados com os eleitores do que com as leis.

Preocupa que "os juízes não considerem apenas a legislação mexicana e os acordos com os Estados Unidos e o Canadá como parte do T-MEC", acrescenta Marczak.

A reconfiguração do Judiciário também pesará em uma revisão do T-MEC, prevista para 2026.

"Já seria uma revisão muito polêmica, mas se adicionarmos essa enorme reforma (...) isso fará com que o México se torne muito mais vulnerável", aponta Carlos Ramírez, sócio da consultoria Integralia.

- O que significa para o "nearshoring"? -

As mudanças no sistema judicial "seriam particularmente prejudiciais" para futuros investimentos de relocalização de empresas da Ásia para o México, alerta a Moody's.

Essa tendência, conhecida como "nearshoring", busca aproveitar as melhores condições logísticas e geopolíticas que o México oferece para abastecer o mercado americano e se apresenta como uma grande esperança para impulsionar o crescimento a longo prazo.

Embora seja improvável que esses fluxos de investimento parem completamente, especialistas consideram que a reforma poderia esfriar o entusiasmo de muitas companhias.

"As reformas trarão um nível adicional de questionamentos nos conselhos de administração" das empresas, preocupados com a certeza jurídica de seus investimentos, disse Marczak.

López Obrador minimiza essas previsões e afirma que 2024 será "o ano com mais investimento estrangeiro na história do México".

- A reforma freará o crescimento? -

Possíveis prejuízos ao investimento e ao comércio afetariam, finalmente, o crescimento esperado do PIB, que antes da reforma já foi reduzido pelo Banco do México (central), de 2,4% para 1,5% para este ano e de 1,5% para 1,2% para 2025.

"É muito possível, por causa da reforma ao Poder Judiciário, que a economia mexicana entre em um longo estancamento" e não se descarta uma "recessão", disse na rede social X Gabriela Siller, diretora de análise do banco Base.

Como prenúncio, o peso mexicano atingiu as mínimas em dois anos justo antes da aprovação parlamentar, mas se valorizou na sequência com a realização de lucros. 

A consultoria Oxford Economics aponta que, embora a reforma não reduza imediatamente o crescimento, esfriará o investimento privado, que pode cair até 12% abaixo do previsto, arrastando o PIB com ele.

A Moody's, por sua vez, concorda que "um choque prolongado de confiança" frearia o investimento empresarial e reduziria o crescimento após 2025.

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