A perspectiva de Donald Trump voltar à presidência dos Estados Unidos paira sobre negociações cruciais sobre o clima promovidas pela ONU, com países segurando suas posições até saberem quem estará na Casa Branca.

Observadores veteranos da diplomacia climática dizem que a incerteza sobre o resultado da eleição está afetando a cúpula COP29, que será realizada em novembro, com início apenas seis dias após os eleitores decidirem entre Trump e Kamala Harris.

A eleição ocorre em um momento complicado, enquanto os governos tentam construir consenso global nos próximos meses, não apenas em torno da ação climática, mas também sobre proteções ambientais mais fortes e um tratado para combater a poluição por plásticos.

Como presidente, Trump retirou os EUA do Acordo de Paris sobre aquecimento global — Joe Biden depois reassumiu o acordo — e há dúvidas sobre o que outro mandato de Trump poderia significar para a solidariedade climática.

No centro das negociações deste ano está o aumento da assistência climática para os países mais pobres, mas alguns governos estão relutantes em propor um valor concreto, receosos de se comprometerem muito cedo.

"Todo mundo está segurando até saber quem será eleito", afirmou Mohamed Adow, um ativista e chefe do grupo de pesquisa Power Shift Africa.

Essa aparente abordagem de "esperar para ver" frustrou aqueles que buscam um novo compromisso de longo prazo na COP29 por parte dos países ricos, para pagar os trilhões de dólares necessários para a energia limpa e a adaptação climática em países em desenvolvimento.

Ali Mohamed, presidente do Grupo Africano de Negociadores, acusou os países desenvolvidos de focarem demais em seus próprios interesses e de "falta de seriedade" na mesa de negociações.

"A situação das mudanças climáticas realmente não se importa com quem está no comando dos EUA, seja um republicano ou um democrata", disse ele à AFP. "As eleições vêm e vão, mas o problema ainda está lá."

- "Arrastar o processo" -

Os meses de sessões preparatórias para a COP29, que será realizada este ano no Azerbaijão, têm sido dolorosamente lentos, mesmo pelos padrões já lentos da diplomacia climática global, dizem os participantes.

Em junho, com as negociações atrasadas, o chefe do clima da ONU, Simon Stiell, criticou as nações por terem feito "um desvio no caminho para Baku", a capital litorânea onde a conferência de duas semanas começará em 11 de novembro.

Mas, faltando apenas dois meses, ainda não há uma definição acordada de "financiamento climático", muito menos de quanto deve ser pago, quais países devem receber e como, e quem deve arcar com esses custos.

Doadores ricos, historicamente obrigados a pagar, como os EUA, a União Europeia e o Canadá, não apresentaram um valor e, em vez disso, pressionam para que a China e outras grandes economias emergentes também contribuam.

"Os governos estão segurando e tentando apostar em várias frentes. Muitos deles não têm um motivo forte o suficiente para se mover", avaliou Tom Evans, consultor de políticas do think tank E3G.

A eleição dos Estados Unidos estava "pairando sobre todos, e às vezes é difícil ignorá-la".

Mohamed, que é enviado especial do clima do Quênia, descreveu a última rodada de discussões em Baku este mês como "muito decepcionante".

"Do mundo desenvolvido, há muito 'olhar para dentro' e jogar a responsabilidade para o outro", declarou, acrescentando que o fantasma do retorno de Trump era uma distração custosa.

"Acho que muita coisa ainda depende da eleição dos EUA... [mas] arrastar o processo a ponto de Baku acabar em uma corrida caótica só vai piorar as coisas", disse o queniano.

- Terreno instável -

As divisões entre países ricos e pobres sobre quem deve pagar a conta pelos danos causados pelas mudanças climáticas sempre foram complicadas.

Mas a relutância da UE em falar sobre valores pode ser parcialmente explicada pela ansiedade em relação à eleição dos EUA, apontou Linda Kalcher, diretora-executiva do think tank Strategic Perspectives, com sede na Europa.

Alguns países em desenvolvimento estão exigindo mais de US$ 1 trilhão (R$ 5,63 trilhões, na cotação atual) anualmente, 10 vezes mais do que as promessas existentes.

Mas se Trump for eleito, ele poderia cortar os fundos para o clima e para a Ucrânia, deixando a UE — que teve eleições com balanços para a direita este ano — arcando com os custos.

"É realmente um cenário político muito instável, e não necessariamente fértil, para falar sobre números mais altos de financiamento climático, e acho que, especialmente a espera da eleição dos EUA traz uma incerteza ainda maior", afirmou Kalcher à AFP.

"No momento em que colocarem um número, sofrerão uma pressão maior para realmente cumprir com esse número", acrescentou.

Os Estados Unidos historicamente pagaram menos do que o devido em subsídios para o clima, e observadores disseram que uma vitória de Trump não impediria que um acordo fosse alcançado.

No entanto, os doadores ainda se sentiriam "bastante expostos" ao se comprometerem com mais dinheiro se não pudessem contar com o apoio de Washington para pagar sua parte e pressionar a China a fazer o mesmo, segundo Evans.

"A China não estará sob essa pressão em um cenário com Trump e, da mesma forma, outros grandes emissores acho que sentirão uma leve redução da atenção", declarou o consultor.

Líderes políticos estariam mais pressionados do que o habitual na COP29 para compensar o tempo perdido, afirmou Li Shuo, especialista em diplomacia climática do Asia Society Policy Institute, de Washington.

Ele disse à AFP que qualquer progresso até lá seria, na melhor das hipóteses, incremental. "As decisões reais... só começarão a surgir após a eleição dos EUA", assegurou.

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