Yessica Mercedes não consegue lidar com sua dor: uma gangue matou seu irmão em 2019 e agora o outro está definhando na prisão depois de ser preso como parte da “guerra” contra as gangues do presidente Nayib Bukele em El Salvador.

A costureira conta à AFP os esforços que fez para obter a libertação de seu irmão, Leonel, 41 anos, que está preso há sete meses sob o regime de emergência lançado pelo presidente salvadorenho.

“Não estou defendendo ou sou contra o governo, o que eu quero é que meu irmão, que é inocente, seja entregue a mim”, disse a mulher de 43 anos.

Há cinco anos, ela perdeu outro irmão, Carlos Alfonso, de 44 anos, espancado por membros de gangues. Agora ela teme que Leonel, que sofre de epilepsia, morra na prisão.

“Não quero tirá-lo de uma prisão em uma caixa”, diz Yessica em sua casa em San José Las Flores, no distrito de Tonacatepeque, 25 km ao norte de San Salvador.

Leonel Mercedes é um dos 82.000 salvadorenhos detidos sob o regime de emergência em vigor desde março de 2022, que permite que a polícia e os militares façam prisões sem mandados.

A “guerra” contra as gangues reduziu drasticamente os homicídios em El Salvador, mas grupos de direitos humanos relatam abusos nas prisões e a prisão de muitas pessoas inocentes.

- "Vítimas do regime" -

A ONG salvadorenha Socorro Jurídico Humanitário (SJH) estima que quase um terço dos detidos sejam inocentes.

Yessica alega que Leonel foi preso apenas porque tinha antecedentes policiais, pois foi detido por alguns dias em 2015, junto com outras cem pessoas, por causa de uma briga em uma festa.

As últimas notícias recebidas pela costureira não são animadoras: Leonel será julgado como membro de uma gangue “clica” (célula) junto com uma mulher e outro homem que ele diz nem conhecer.

“Agora não somos mais vítimas de criminosos, agora somos vítimas do regime, que está levando pessoas inocentes”, lamenta a mulher em lágrimas, segurando fotos de seus irmãos nas mãos.

- “Chute no peito” -

“Estimamos que pelo menos 30% das pessoas processadas sejam inocentes”, disse à AFP a diretora da SJH, Ingrid Escobar.

Além disso, 311 detentos morreram nas prisões salvadorenhas durante o regime de emergência, o que “é preocupante porque eles estavam sob a tutela do Estado”, diz Escobar.

A Anistia Internacional e a Human Rights Watch também denunciaram “detenções indiscriminadas”, superlotação das prisões e inúmeras mortes sob custódia do Estado, mas Bukele e suas autoridades negam.

Fidel Antonio Zavala, empresário que ficou preso por 13 meses por suposta “fraude agravada”, alega ter testemunhado torturas e espancamentos de detentos na prisão La Esperanza, em San Salvador, e em outra prisão em Santa Ana.

Zavala afirma ter testemunhado “atos de tortura, atos de agressão, atos de corrupção” por parte dos guardas, incluindo um apelidado de Montaña.

O diretor de La Esperanza, Juan José Montano, nega a existência de tortura na prisão. “Se houver algum agente que realize esse tipo de prática, que bata em um preso, ele será punido”, disse ele à AFP.

- Primeira denúncia à CIDH -

O Socorro Jurídico entrou com 2.700 pedidos de habeas corpus para os detentos na Suprema Corte, mas 95% deles ficaram sem resposta.

Buscando justiça, a ONG está se preparando para apresentar a primeira denúncia de abusos sob o regime de emergência à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, com sede em Washington.

“Como organizações da sociedade civil que acompanham as vítimas, esgotamos as sedes nacionais [da justiça] e não encontramos respostas, o que encontramos foi silêncio, o que significa negação de justiça”, explica Ingrid Escobar.

“O que estamos buscando é uma condenação contra o Estado de El Salvador por crimes contra a humanidade, tortura, contra nosso companheiro sindicalista no regime de exceção”, acrescenta.

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